quarta-feira, 24 de março de 2010

Autobiobrafia

A Infância

Foi pelas onze da manhã de uma tórrida segunda-feira, 20 de Agosto de 1956, que me “lembrei” de libertar a minha mãe do fardo, de mais de cinco quilos, que tivera que suportar todo o Verão. E nasci. Em casa, claro está, pois nessa altura ainda não nos dávamos ao luxo de nascer em hospitais acompanhados de todas as comodidades. Lisboa, freguesia do Campo Grande, Av. de Roma, nada disto me viria a rotular, excepto no orgulho de ser alfacinha de gema.
Quem me “aparou” foi a que viria a ser minha madrinha, tia da minha mãe, que nessa altura já vivia lá em casa para ajudar a pobre a sustentar o peso daquela barrigona. Também uma senhora conhecedora da “arte de bem nascer” estava de prevenção para o caso de eu não estar muito pelos ajustes de enfrentar o Verão, mas que seria bem cedo dispensada, pois que, depois da primeira palmada no rabo, mostrei que gostava de estar nascido e pronto para todas as vicissitudes. Saudável que nem um pêro era o orgulho da família, como todos os bebés.
Seria baptizado dois meses mais tarde na Igreja de S. João de Brito e deram-me o nome de Helder Francisco.
Como é vulgar são escassas as primeiras lembranças da infância, embora as fotografias da época ajudem a reconstruir o nosso passado. Acho que a minha primeira recordação foi uma mordidela de um cão, teria os meus três ou quatro anos. A segunda terá sido pelos cinco anos quando a minha bicicleta caiu do carro (descapotável) do meu pai e ficou “feita num oito” pelo que me fartei de chorar. Mais atrás não tenho grandes referências. Sei que tive uma infância super feliz pois nada me faltou. Também, dizia a minha mãe, era um puto bastante inteligente (parece que aos cinco anos já sabia ler qualquer coisa. Uma coisa interessante é que não tenho recordações da escola primária, excepção feita ao exame da quarta classe de que me recordo do momento em que o fiz, morava eu na Abobada, Carcavelos. Infelizmente nunca tive a curiosidade de saber esta parte da minha vida e agora é tarde para o confirmar. Acho que nunca andei na escola oficial até essa data e que fui proposto e aceite ao exame da quarta classe teria nove anos. Isto confirma-se porque não consegui nesse ano fazer a admissão ao liceu e à escola técnica como era nessa altura o ensino e, no ano lectivo seguinte, tive que fazer um ano de escola para ter idade para ser admitido.
Uma das coisas engraçadas que me recordo desde muito cedo é das casas onde vivi, e não foram poucas. O meu pai era uma pessoa de negócios e passava a vida a comprar e vender coisas, entre outras, vivendas e carros. Comprava, decorava e depois vendia e, entrementes, vivíamos nesses sítios. Assim até aos meus dez anos vivi em mais de dez sítios diferentes e também tive muitos carros, alguns dos quais me lembro perfeitamente. Aí pelos seis anos, dizem, já tinha a noção de conduzir pois ao colo do meu pai conseguia manobrar muito bem o volante.
Outra recordação, esta menos agradável, foi um ataque de falta de ar que tive pelos seis anos e que fez com que a minha mãe tivesse que recorrer de urgência aos serviços do hospital mais próximo, no caso, o de Santa Marta. Foi-me diagnosticada asma brônquica, e chegou-se à conclusão de que já tinha nascido com ela. Aprendera viver com este problema foi, a partir daí, um dos primeiros desafios da vida, mas, até hoje, uns dias melhor outros pior temo-nos adaptado um à outra.
Não seria, no entanto, numa aura de felicidade, que a minha infância acabaria. Efectivamente, pelos meus nove anos e meio os meus pais decidiram ir viver para o norte de Portugal onde o meu pai tinha comprado uma quintinha, num sítio lindo perto de Barcelos, Barca do Lago, para, como era seu hábito, melhorar e voltar a vender. Ao que sei, além desse negócio não ter corrido muito bem foi aí que os meus pais começaram a não se entender e a ter conflitos com consequências cada vez mais graves, zangas, ralhos, etc. Daí à separação foi um passo e eu fiquei só com a minha mãe. Viemos a Lisboa, vendemos alguns bens e voltámos novamente para o norte, desta vez para Gaia, onde a minha mãe abriu um pequeno café, num prédio onde já tinha alugado um andar.



A pré adolescência

Seria aqui, nesta, na altura ainda, vila que faria o tal ano de admissão num colégio chamado “ O cortiço de Gaia”. Tinha que me referir a este colégio por duas razões: a primeira porque acho que grande parte das bases de instrução da minha vida as adquiri aí, já que o nível de exigência era enorme. Só tinha uma professora, a D. Adosinda. Os métodos não eram comparáveis aos actuais, claro. A D. Adosinda fazia-se acompanhar da sua régua, com a qual fazia riscos a direito na instrução do aluno mas também nas mãos dos mais calinas. Confesso que algumas vezes senti o poder de persuasão da D. Adosinda, mas também reconheço, hoje é claro, que não vejo no novo ensino maiores vantagens. Nunca vi no olhar da D. Adosinda o sentimento da raiva ou o prazer de castigar, pelo contrário sentia-lhe um certo constrangimento e pudor. Nada disso enxuga as lágrimas do momento, mas, reafirmo, não me constringiria se o meu filho a tivesse tido como professora. Confesso que, à distância, tenho uma grande admiração por essa senhora e só espero que tenha tido uma vida feliz. Na realidade tanto nas aritméticas, como nas letras, desde a tabuada na ponta da língua até ao gosto pela leitura (li nessa altura de uma assentada os vinte e um livros de Enid Blyton da série “Os cinco…”) e à historia de Portugal, desde as serras e os rios de Portugal às províncias das então colónias ultramarinas tudo era transmitido e apreendido. Não acredito que houvesse mais capacidade de aprendizagem ou de assimilação nas crianças dessa altura do que nas crianças de agora. Gostava que as estâncias do ensino pensassem nisso, não justificassem o direito da liberdade com a escravatura da ignorância. De acréscimo ainda posso referir que nesse ano frequentei as aulas de canto coral, religião e ballet e tudo isso ainda faz a diferença no que considero ter sido uma boa formação.
A segunda razão que me leva a evocar este colégio é que foi aqui que eu conheci o meu primeiro amor. Juro que nem da cara dela me lembro, sei que era a “Magui” (Margarida) era a filha da directora do colégio e era algo mais velha do que eu, tinha catorze anos, e que me sobrou desse amor o apelido do pinga-amor.
Feitos os exames de admissão, os quais supri em ambas as escolas, optei pelo liceu e inscrevi-me no 1º ano no Liceu de Vila Nova de Gaia. Não foi pequeno o espanto da senhora minha mãe quando foi chamada ao reitor para lhe ser comunicado que o, até aqui, exemplar filho, era dos mais faltosos do liceu e que, por isso, tinha uma grande pele de raposa para lhe oferecer. (bem custou a escrever este último parágrafo, mas biografia é biografia). Para o bem e para o mal foram outros os ensinamentos: a primeira escola oficial, a linguaragem de rua, o carrinho de rolamentos, o andar à pancada, o jogar ao pião, o saltar ao eixo, o apanhar cobras de água…
É claro que a minha mãe não compreendeu e os meus argumentos não foram suficientemente fortes para evitar uma bela de uma sova que, se bem me lembro foi a última da minha vida.
No ano seguinte já não poderia ir para o liceu pois o ensino mudara e começara o ciclo preparatório, que frequentei na Escola preparatória de Ramalho Ortigão no Porto, com distinção pois dispensei a todos os exames de conclusão do ciclo preparatório.



O “Teenager”

Como a nossa vida familiar não melhorasse, nomeadamente no aspecto financeiro, a minha mãe resolveu voltarmos para Lisboa. Fomos viver para Sacavém para um prédio contíguo ao cemitério. Inscrevi-me no terceiro ano no Liceu Camões (já me começam a doer as teclas) e a adaptação também não foi a melhor. Eu não conhecia Lisboa e os seus encantos, tão pouco o Liceu Camões e as Tágides, nem a malta mais velha do “técnico”, por quem seria adoptado como benjamim depois de ter sido apresentado por amigos, ou a Tasca do Careca logo ali em frente…enfim…já imaginam? Pois é… “chumbo no pêlo”!
Auto punição imediata, até porque a rotura financeira familiar era iminente: trabalhar.
Foi assim que aos catorze anos de idade me apresento no mercado de trabalho.
Pele branquinha, loirinho, olhos azuis, um metro e (já) setenta e tal, … era mal empregado para ir para as obras. De modelos e “Morangos com açúcar” ainda não se consumia nesses tempos.
Sorte grande!
Não me lembro já como, soube de um senhor que procurava alguém, não mal apresentado, para o ajudar na sua função: era fotógrafo.
Que sim senhor, e o primeiro, e único empregado, da “MARCA” apresentava-se ao serviço.
O trabalho era bizarro: entrava pelas nove, não sem antes ter comprado (para a empresa) o jornal o “Diário de Notícias”, num “laboratório” montado num quarto com águas, adaptado a isso, alugado numa casa mais ou menos sinistra, num andar de um prédio da Rua de Ponta Delgada, ali à Estefânia. A casa era mais ou menos sinistra porque era uma daquelas casas antigas de águas muito altas, com mais de dez assoalhadas, grandes corredores a toda a volta (os quais acho, nunca percorri na totalidade), portas de mogno antigo de madeira maciça, janelas altíssimas com cortinados pesados e de cores sombrias, paredes com papéis de parede escuros e que pareciam fazer com que as paredes se tornassem ainda mais altas e, ainda por cima, propriedade de um astrólogo/tarólogo, que também exercia a sua actividade numa das inúmeras salas da casa. A esposa do proprietário, que eu tinha de enfrentar não raras vezes, era muito parecida com a casa: alta, gorda e quase sempre envolta num robe que parecia de seda de cor vermelha que a confundia com o papel de parede ou com os cortinados das janelas. A sua cara redonda, com bochechas sempre rosadas, e o seu cabelo, sempre com rolos de cabeleireiro, não era tão assustadora como a casa, mais caricata… mas no fundo era uma jóia de senhora. Falava devagar e talvez por me ver muito magricelas estava sempre a oferecer-me de comer, nomeadamente fruta, e a recomendar-me que comesse muito, pois estava numa fase de grande crescimento e todas as calorias eram poucas.
Chegava cedo de manhã e a minha primeira função era ler o jornal, mas não como gozo de leitura, era mesmo um dever profissional. Eu explico. O meu patrão era fotógrafo de reportagem, tudo o que cheirasse a evento e que pudesse render algumas patacas lá estávamos nós, ora, para se saber de eventos, nada melhor que espiolhar os jornais, depois, contactar com quem organizava esses eventos, acordar autorizações para fotografar e de preferência em exclusividade. Então, eu marcava com círculos à volta das notícias que me pareciam ser interessantes e o meu patrão, quando chegava, normalmente tarde, ia directamente aos meus círculos evitando ler mais um jornal pois já vinha com dois ou três debaixo do braço e todos esmiuçados.
Outra das minhas funções matinais era a limpeza das máquinas fotográficas e a manutenção das cargas das baterias dos flashes, pois tudo tinha que estar em perfeitas condições caso houvesse que fazer, e havia bastantes dias. Naquela época as máquinas mais utilizadas pelos profissionais eram as 6x6, ou seja umas máquinas cujo formato do negativo era um quadrado com 6cm de lado, tínhamos duas: uma “Rolleycord” e uma “Rolleyflex”, esta última considerada o “Rools Royce” das máquinas fotográficas, mas também se usavam as máquinas de 35mm, e também tínhamos duas, uma “Pentax” e uma “Nikon”. As primeiras tinham, e têm, a enorme vantagem da muito melhor qualidade para o mesmo tamanho de fotografia, pois sendo a película maior, não se nota tanto o grão na imagem ao ser ampliada. As desvantagens são: o tamanho da máquina, a maior dificuldade no seu manuseamento, a de as lentes não serem, normalmente, intermutáveis e os rolos de negativos serem de tamanho inferior, só davam para doze fotos (rolos formato 120). As segundas tinham a sua grande vantagem na maneabilidade e na duração do rolo pois conseguiam-se 36 fotos, pelo menos, além de que o rolo (formato 135) por ser em cassete, era muito mais fácil de trocar.
Porque as máquinas mais usadas eram as 6x6, um dos trabalhos em que me especializei logo ao princípio foi o de carregar as máquinas, rapidamente e sem perder o trabalho. Parece um bocado estranho hoje, que nem sequer precisamos de mudar de rolo, pois as nossas super máquinas digitais só precisam que carreguemos no botão para disparar e ficar com a nossa linda recordação. Naqueles tempos não era assim, e o facto de se perder tempo a mudar o rolo era o suficiente para perdermos o “nosso boneco”. (No âmbito profissional o nosso boneco quer dizer “aquela foto”, porventura a melhor foto da reportagem. Também nos referimos aos bonecos no âmbito geral para todas as fotografias) Então o meu patrão pretendia que, quando ele acabasse o rolo de uma máquina, tivesse logo outra para continuar, daí a minha especialização. E não se julgue que eram “peras contadas” pois quando o homem se punha a carregar no botão não havia quem o vedasse… além de que o procedimento também exigia um certo cuidado, pois por incúria poderiam perder-se todas as fotos desse rolo. Tem que haver um cuidado enorme no manuseamento do rolo depois de descintado pois pode desenrolar-se sem querer e velar todo o filme, tal cuidado ainda era maior ao retirar, pois aí além de se perder o filme perdiam-se também as imagens adquiridas. Para avaliar a trabalheira que era carregar o rolo numa Rolleiflex veja o filme seguinte e considere que não havia bancada:


A evolução para os nossos tempos foi enorme com o aparecimento das câmaras digitais. Embora com a desvantagem da qualidade ainda não ser a da analógica, as câmaras digitais têm inúmeras vantagens sobretudo para quem gosta muito de tirar fotografias: a economia é logo a primeira, podem-se tirar todas as fotografias que se quiser que já não há os gastos com as revelações, basta descarregá-las num computador ou até vê-las na televisão só com a ajuda de um cabo, sem causar poluição ambiental, também é facílimo enviá-las a quem queremos.
O preço das câmaras também é um aliciante pois não foi paralelo à evolução, pois pode-se comprar uma pequena máquina pelo preço que se compravam as analógicas, ainda por cima agora qualquer telemóvel tem uma câmara e alguns com alguma qualidade.
(CLC EST DR4) (STC EST DR4)
Os eventos em que a maior parte das vezes trabalhávamos estavam relacionados com inaugurações, aniversários de pessoas badaladas, recepções, etc.… enfim tudo o que metesse ministros e pessoas importantes, e aconteciam sempre ou à tarde ou à noite, então muitas vezes não era cedo quando o dia acabava pois muitas vezes ainda se iam revelar os rolos, imprimir uma ou várias fotografias que se ia entregar nos maiores jornais, ou nos que os seus fotógrafos não tinham estado presentes (o meu patrão sabia os que lá tinham estado pois conhecia e era amigo de todos os fotógrafos da praça).
Quando as nossas fotos apareciam nos jornais do dia seguinte já se sabia que era mais algum dinheiro em caixa. A forma de se ganhar dinheiro com esta maneira de trabalhar também era sui generis. Além do que se arrecadava com os jornais, que muitas vezes não era nada, tudo dependia do tipo de contrato se tinha feito com a entidade promotora: ou era em exclusividade e pelo menos uma colecção de fotos estava vendida ou era em concorrência com outros fotógrafos e aí entrava eu com a minha taloeira em punho e o meu poder de convencimento para que o senhor ou a senhora que tinham sido fotografados a conversar com o senhor ministro me comprasse, sem ver, a foto. É claro que nem a todos vendia, mas ainda convencia bastantes. Às vezes perguntavam-me “E como é que sei se ficou bem?” e eu normalmente respondia “Quem, vossa excelência ou o senhor ministro?” e sem dar tempo a raciocinar disparava “Por outro lado se não gostar pode sempre devolver”, então, a rirem-se da esperteza do miúdo as pessoas lá iam comprando e raras foram as vezes que tivemos devoluções.
Foi um tempo engraçado e o meu patrão gostava de mim. Também não gastava muito comigo: o meu ordenado eram seiscentos escudos por mês, mais quatro escudos por dia, que era uma espécie de subsídio de transporte e que correspondia a metade da minha despesa Sacavém/Lisboa /Sacavém. Também não me fazia os descontos para a caixa, o que eu nessa altura nem sabia que existia.
Mas, ao fim de mais ou menos dois anos achei que não havia progressão e decidi procurar outro género de fotografia. Também porque não tinha largado os meus amigos do liceu e do técnico e todos me diziam que, para trabalho de futuro, não seria o melhor, este de fotógrafo, e que se eu quisesse estudar mais, seria fácil encontrar qualquer coisa mais rentável, nomeadamente, um dos meus amigos, não tinha dúvidas nenhumas que se eu tivesse pelo menos o sétimo ano o seu pai me encaixaria no banco onde era pessoa bem classificada.
Se bem o pensei melhor o fiz e ao fim de pouco tempo encontrei outro laboratório que precisava de alguém com alguma experiência e fui logo aceite, não sem antes me ter despedido do meu primeiro patrão, senhor Carlos Machado (vulgo Machadinho) com alguma mágoa de ambos. Ainda recordo um grande abraço de despedida com os desejos das maiores felicidades, mas que, não tinha qualquer hipótese de me dar muito mais e tão pouco o que me tinha sido oferecido. Também lhe desejei tudo do melhor e ao seu filho e foi pessoa que nunca mais vi.
Ao mesmo tempo que entrava para os “Laboratório Fotográficos de Duarte Delgado”, ali ao Martim Moniz, mais precisamente na Calçada Agostinho de Carvalho, esqueço o nº. Também me fui informando da forma de continuar a estudar. Soube então que em escolas particulares (externatos) com o estatuto de trabalhador estudante podia concluir o, na altura chamado, curso geral dos liceus (5º ano) e depois o Curso Complementar (7º) (hoje 9º e 12º).
É claro que tudo dependeria do trabalho e do tempo que me sobrasse pois até aí não conseguiria tal objectivo, já que as minhas horas livres eram tudo menos programáveis. Mas por sorte incrível este novo emprego era muito mais estável no que dizia respeito a horários, com a excepção dos sábados e domingos que normalmente seriam as folgas, melhor, a folga e a então chamada semana inglesa, ou seja, o domingo e meio dia de sábado, os quais, se necessário, teria que estar à disposição. Isto porque o “estilo” de fotografia deste fotógrafo seria bem diferente do anterior. A saber: a grande fonte de encaixe financeiro eram “os meninos da luz” ou seja os alunos do Colégio Militar. Este meu novo patrão tinha um contrato em exclusividade com o colégio. Não que mais ninguém pudesse fotografar os “meninos”, mas que, quem o podia fazer, no interior do colégio, e também no interior do colégio comercializar as fotos, era ele. Assim todos os eventos realizados pelos “meninos da Luz” eram por nós amplamente cobertos sem o intuito de ser vendido no momento. Far-se-iam todas as fotos possíveis, em todas as ocasiões especiais, por exemplo: a entrada no colégio no começo do ano (com o acompanhamento dos pais até à porta para os novos “caloiros” com nove, dez anos), a festa de recepção aos novos alunos (praxes), o Natal, o aniversário da instituição, das passagens de ano lectivo até à formatura (7º ano (hoje 12º)), enfim todos os eventos que ocorressem com relevância na vida dos alunos, as quais seriam postas em exposição todo o ano (e até guardados os expositores para os anos seguintes) Então o meu trabalho de quase todos os dias (dois a três dias por semana) era ir para o colégio militar, com os grandes álbuns das fotos das últimas manifestações dos “meninos” expô-los e esperar que os “meninos”, muitas vezes contra a vontade (e as possibilidades) dos pais, as encomendassem. Podem crer que era muito rentável. Todos os dias que ia para o Colégio chegava a casa com dezenas de fotografias encomendadas que depois de impressas seriam enviadas à cobrança para casa dos alunos. Somente uma ínfima parte não era paga e devolvida, mas mesmo as devolvidas era eu que, durante as exposições, tentava que os alunos ficassem com elas ou não mais lhes venderia qualquer foto que lhes fosse tirada durante todo o curso, para isso elaborava uma espécie de “lista negra” para me lembrar dos nomes nas próximas encomendas (ainda não havia computadores).
Foi também a minha primeira oportunidade de fotografar. Pois… ainda não referi… até agora ainda não tinha tido nenhuma oportunidade para ser eu a tirar as fotografias… digamos… foi com os meninos da luz que me fiz um verdadeiro fotógrafo ou… a primeira vez.
Pois que “não é fotógrafo quem se diz, mas o que na realidade consegue captar instantes únicos”, não me perguntem onde já li isto!
Efectivamente quando comecei eu a fazer os meus bonecos o caso mudou de figura e comecei realmente a nutrir uma paixão muito grande pelo que fazia.
Além dos meninos da luz o meu patrão fotografava regularmente eventos como casamentos, baptizados e festas diversas também eventos com cavalos nomeadamente concursos de saltos de raids e todos os anos a Festa do Cavalo na Golegã. Adorava fotografar cavalos. Lembro-me de, no hipódromo do Campo Grande, onde havia um fotógrafo em exclusividade, o senhor Espada, este se ter dirigido ao meu patrão (pese embora ser da concorrência eram conhecidos e amigos) a elogiar algumas das minhas fotografias e a forma como eu em tão pouco tempo ter apreendido e conseguir captar a melhor pose do cavalo sobre o obstáculo, ou seja descortinar o tempo, o momento do melhor “boneco”.
Também tirei óptimas fotos noutros encontros como nos raids que se faziam na Aroeira e na Festa da Golegã. Lembro-me nesta última que o meu patrão me dava “alguns rolos para gastar”, ou seja dava-me uns quantos rolos e deixava-me andar na festa a tirar fotografias onde bem me apetecesse sem qualquer intuito comercial (dizia ele). Após algumas horas já estavam todos consumidos (eram de doze exposições cada). Lembro-me de uma das minhas fotos ter sido escolhida para um cartaz de uma escola de equitação, mas lembro-me sobretudo dos elogios e das vendas que quando, à noite, de taloeira na mão, recebia dos que viam as fotografias do dia e dos pedidos de encomenda das fotos que tínhamos tirado nesses dias. Sem brincar, imprimir e enviar, era trabalho para, pelo menos, quinze dias de azáfama.
Este meu patrão tinha outro trabalho que era de génio. Só reconheci isso mais tarde, pois nessa altura era o que me dava menos gozo fazer, e que, que me lembre era o único fotógrafo a fazê-lo. Era o seguinte: fotografar procissões.
Para quem está a ler nada será mais banal do que haver um fotógrafo que faça as fotografias de uma procissão. Claro: a festa, os andores, os anjinhos, a banda…. Sim, se pensarmos em termos comerciais já vendemos pelo menos quatro fotos por cada andor e… “cada anjinho cada melro”, mais os outros que vão na procissão.
Pois o meu patrão, desculpem o termo, borrifava-se para os anjinhos, para os andores, para a música e ainda mais para os padres ou os acólitos que lhe seguravam o sombreiro. Só se alguém lhe pedia, mostrava o seu sorriso fácil, e tirava uma fotografia e, claro está, tomava nota do rolo e da pose e, sobretudo, da morada de quem lhe tinha pedido a foto, e não se falaria em pagamento nessa altura, pois podia ser pecado.
Então qual era o interesse do meu patrão? Primeiro que tudo uma boa foto do Santo Padroeiro. Chegava-se à Igreja e tiravam-se dezenas de fotos do andor do Santo de cada festa. Preferiam-se as últimas com a Santa já toda engalanada, muitas vezes tinha que se esperar até quase ao ínicio da procissão, pois esperava-se que os festeiros mais o padre viessem depositar na Santa o ouro que lhe houvera sido dado, e que não era tão pouco que pudesse ser deixado do dia anterior sem o risco de algum “amigo da santa ou do alheio” o viesse confiscar. Assim, no dia anterior ou no próprio dia, algumas vezes já em plena procissão, para aproveitar as luzes do sol, que na fotografia têm muita importância, tiravam-se várias fotos da santinha/o padroeira/o. Reserve-se!
Esperava-se então que a procissão saísse e cada um do seu lado da fila fotografava ao ritmo da lenga-lenga todas as janelas engalanadas. Como refere o poeta:


Pelas janelas, as mães e as filhas,
As colchas ricas, formando troféu.
E os lindos rostos, por trás das mantilhas,
Parecem anjos que vieram do Céu
António Lopes Ribeiro

Com um acenar de mão, todos os da janela, se ajeitavam e sorriam para a pose, e com tempo suficiente, se referenciava o número da porta e o andar. E vamos à janela seguinte.
No fim do dia vamos todos descansar.
No dia seguinte, todos os rolos revelados, escolha-se a melhor pose da santa. Escolhida, iprimam-se muitos papéis 10x24 com a foto da santa no seu lado direito e em seguida as fotos tiradas, sem excepção, ao lado da santa. Uma a uma serão metidas num envelope, devidamente cartonado para as preservar, e estes referenciados com as moradas previamente anotadas. Todas as fotos serão vendidas ao terceiro dia, mais, como em cada janela não havia uma só família… quer dizer que por cada janela se vendem, em média, duas fotos, então o quarto dia será para imprimir e enviar pelo correio pelo menos a mesma quantidade que tínhamos feito na segunda-feira.
Demos graças a Deus.

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Já passou a procissão.
António Lopes Ribeiro

Também foi neste período que aprendi a fotografar casamentos, que aparentemente é fácil, mas que dá bastante trabalho pois, normalmente é o fotógrafo que tem de fazer de mestre-de-cerimónias para haver uma certa regulamentação. Fiz também baptizados e outras festas populares. Também no trabalho de laboratório dei um grande salto qualitativo pois aprendi muito aqui. O meu patrão era muito bom profissional e conhecia todas as técnicas de laboratório preto e branco. Fabricávamos os nossos próprios banhos de revelação cujos compostos químicos encomendávamos em drogarias especializadas, havia duas em Lisboa uma no Largo Camões e outra na Almirante Reis quase em frente à Portugália, vinham empacotados nas quantidades pedidas e depois nós misturávamos pacote a pacote, eram pelo menos oito produtos diferentes, em garrafões com água. Hoje já não me lembro dos produtos e muito menos das quantidades pois mais tarde usaria banhos comprados já feitos à KODAK ou à AGFA. Aprendi as técnicas antigas de fazer montagens fotográficas, reprodução e retocagem, que era um processo de reconstrução com tintas, das fotos velhas e com falta de imagem, e feitura de fotos sépia ou seja daquela cor amarelada que raramente hoje vemos em casa dos nossos avós mas que era a fotografia colorida daqueles tempos. Aprendi a fazer tudo isso e com bastante qualidade, segundo diziam.
Mas, ao fim de dois ou três anos, com o intuito de mais aprender e na procura de melhores condições financeiras, mudei de patrão.
Fui então trabalhar par uma firma que tinha uma loja na Rua Gonçalves Crespo, ali ao Conde Redondo que se chamava “Jovifoto”. Eu não estava aí na loja, o meu local de trabalho era no laboratório, que ficava num 4º andar ao pé da estação do Rossio com vista privilegiada pois tinha duas janelas que davam para a praça do Rossio (Praça D. Pedro IV). Quase todos os dias porém tinha que passar pela loja para levar as fotos e trazer os rolos de amadores que diariamente recebíamos para processar. O trabalho que eu fazia com mais à-vontade era precisamente o trabalho de laboratório e foi fácil habituar-me a passar muitas horas na câmara escura. O trabalho de processamento de fotografias é, todo ele, feito em zonas escuras quase sem luz, com uma luz verde muito escura, para o processamento das películas, e com luzes encarnadas para o processamento do papel.
É claro que também fazíamos reportagens. Este meu patrão tinha uma exclusividade com o Ministério do Trabalho fazendo todas as fotografias que eram necessárias para o Ministério e cobrindo as visitas do Ministro, mas também fazíamos casamentos, baptizados e outras festas.
Um dos eventos que habitualmente fazíamos eram as exposições caninas e eu especializei-me a fotografar os cãezinhos e fazia-o de maneira que muito agradava aos criadores dos bichinhos.
Tal como os cavalos também os canídeos têm as suas posturas mais favoráveis, e é preciso paciência para os apanhar na sua melhor pose, por outro lado a pose também varia com a raça do cão, seja de caça, de guarda ou simplesmente de companhia.
Outro trabalho que me deu algum gozo fazer foi a cobertura de algumas apresentações de uma escola de ballet de uma senhora chamada Georgina Villas Boas, pois também fiz umas fotos bem engraçadas que chegaram a ser expostas pela Filmarte.
Outros eventos que eu acompanhava eram os encontros da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar e outros muito engraçados eram uns encontros da Tertúlia do Bom Humor e que, conforme o nome indica, era composta de gente bem humorada que se juntava em grandes jantaradas.
Por esta altura já tinha recomeçado a estudar, de noite é claro, com o estatuto de trabalhador estudante.
Inscrevi-me no Externato Sebastião da Gama, que ficava na Almirantes Reis num prédio mesmo em frente à porta da Cervejaria Portugália. Tinha em vista candidatar-me ao exame do Curso geral dos liceus (hoje 9º ano) o que aconteceu em 1975, nesse ano ainda me inscreveria para o Curso complementar (hoje 12º) mas um acidente de automóvel que me faria ir para o hospital interromperia até agora essa vontade.

Foi por estas alturas que se deu um importante acontecimento não só na minha vida como na de todos nós. Em 1974, a 25 de Abril, o dia acordou diferente:

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Sophia de Mello Breyner Andresen

E tudo seria diferente a partir desse dia.
Antes do 25 de Abril eu já tinha alguma consciência política, pois, nos tempos em que tinha andado no liceu Camões e convivido com amigos do técnico, tinha tomado conhecimento das lutas estudantis e da guerra que era mantida nas chamadas províncias ultramarinas, para a qual estaríamos obrigados algum dia a participar.
Também, quando morava em Sacavém, participei em algumas reuniões na cave de um café, “Cabana” de seu nome, em que se cantava a Grândola Vila Morena ou o Baleizão-Baleizão e se protestava contra a falta de liberdade e a perseguição a que alguns eram votados, bem como as condições económicas a que o corporativismo nos tinha atirado, que nos obrigava a emigrar ou a fugir, na maior parte das vezes “a salto”, ilegalmente e sem passaporte. Tal facto fazia com que tivéssemos que aceitar qualquer trabalho que nos aparecesse no estrangeiro para se sobreviver e a grandes temporadas passadas longe dos que se amavam. Quando não se emigrava eram muitas vezes as prisões politicas o destino de quem ousava “falar”, em alguns casos a deportação ou o degredo em prisões, como o Campo do Tarrafal em Cabo Verde, donde muitas vezes não se voltava. Por isso foi com grande alegria que soube logo pela manhã do que se estava a passar.
Nessa altura morava em Lisboa, na avenida Miguel Bombarda, perto do quartel-general, e conseguia apanhar no rádio frequências das forças armadas, foi pois bastante divertido acompanhar as conversas entre os comandos, muito embora fossem em parte codificadas. Lembro-me que contra a vontade da minha mãe vim para a rua, mas naquela zona da cidade não se passava nada e limitei-me a acompanhar a revolução pela televisão e pela rádio. Nos dias seguintes, que foram sábado e domingo, consegui falar com amigos e comemorar com festa. Festa que se prolongaria por muitos dias, pois passada uma semana seria o primeiro 1º de Maio livre e não terminaria tão depressa. A festa seria tudo o que iria seguir-se àquele dia, sobretudo pelas consequências: o fim da PIDE, polícia política opressora, a libertação dos presos políticos, a legalização dos sindicatos e dos partidos, o fim das colónias e da guerra colonial e as eleições livres. E tudo isto sem se ter disparado um único tiro, tendo as armas servido para colocar cravos vermelhos, que foram lançados pelo povo aos soldados.
Mais que tudo, o 25 de Abril de 1974, desencadeou profundas alterações nos valores e na vida social nacional e, muito embora nem toda a gente esteja a favor da revolução, este é um facto que quase todos reconhecem, e, ao se compararem os tempos, vemos que a diferença para melhor é abissal.
Tenho a certeza de que o 25 de Abril, e também a entrada para a União Europeia, teve uma influência fundamental no meu crescimento como pessoa e ser humano bem como aos dos indivíduos da minha geração. A melhoria nas condições económicas, o fim do trabalho infantil, a liberdade de falar, a liberdade de imprensa e a conquista da Liberdade e da Democracia, foram bases fundamentais daquilo que sou hoje. Uma das coisas fundamentais que nos aconteceram foi a evolução dos sistemas de comunicação. Alguém que nasceu na época do telemóvel é incapaz de imaginar a vida sem ele. Muito menos quem nunca viveu sem uma consola por perto, consegue imaginar o que era esperar quatro minutos para carregar um jogo do tipo tetris num computador tipo Spectrum.
Tudo isso dependeu, não só da própria evolução do mundo mas também do facto de nos termos ligado ao mundo, o que não acontecia antes.
Antes do 25 de Abril era até proibido pensar. Liberdade era palavra que nem se podia pronunciar. Haviam quarenta por cento de pessoas analfabetas, só os filhos de pessoas ricas entravam nas universidades, a vida no campo era de martírio, trabalhava-se de sol a sol, a vida ao redor das grandes cidades era deplorável e alimentava a força de trabalho das cidades que se fazia sem horários definidos bem como das parcas industrias dominadas por dois ou três senhores. Segurança social era um privilégio de muito poucas profissões e de sindicato só se ouvia falar em meios mais restritos e quando alguém se lembrava de o invocar era sinónimo de despedimento. Não havia dez por cento de desemprego: simplesmente não estatística.
Pelo facto de ter feito parte desta revolução, por nada deste mundo trocava ter nascido noutra época.
(CLC SF DR4) (CP CM DR4 + pag 39)
Quem não viveu antes do 25 de Abril terá alguma dificuldade em fazer esta comparação pois quem sempre viveu em democracia não consegue sentir o peso da vida numa ditadura.
Após o 25 de Abril também ocorreram alguns percalços, sobretudo logo no tempo que se lhe seguiu, quando se fizeram perseguições e vinganças entre pessoas de ambos os lados, tanto de esquerda como de direita. O denominado PREC, Processo Revolucionário em Curso, teve alguns distúrbios, nomeadamente a tentativa de um golpe contra revolucionário em 11 de Março de 1975, e alguns exageros das forças de esquerda daí para a frente. Mas tudo acabaria em normalidade a 25 de Novembro de 1975, já com eleições livres em Abril e a nova constituição a ser elaborada.
Alguns expatriados e emigrantes regressavam da Europa com novas tendências e os presos políticos já podiam ter opinião.
Por outro lado os ex-colonos traziam novidades duma liberdade que não conhecíamos, começamos a ouvir mais música estrangeira, alguma até então interdita, pois não era autorizada a sua importação e venda, e ouvia-se mais música portuguesa, música revolucionária, a despontar com autores tão importantes como o José Afonso, o Adriano Correia de Oliveira, o Sérgio Godinho, o Fausto, e outros, fazia com que o mundo se transfigurasse, como que um abrir de olhos ou uma nova compreensão da realidade.
Um país oprimido viria a ser um marco de liberdade que influenciaria até outros países, como a Espanha com o fim do franquismo, ou, como defende o nosso 1º ministro José Sócrates, a própria queda do muro de Berlim. Além disso, com o fim das colónias outros povos tiveram direito à sua própria liberdade e a governar o destino do seu próprio país. Com mais ou menos facilidade as ex-colónias vieram a tornar-se países democráticos, livres e independentes e que neste momento estão na sua generalidade em pleno desenvolvimento.
(CP-DD-DR3)

Na década de 70 começou a chegar a Portugal a fotografia a cores, que até aí não era conhecida, e com isso um grande problema para mim, pois sou daltónico e não seria possível trabalhar em laboratório, já que, não reconhecendo as cores, era difícil a feitura das fotografias. Ao princípio não foi grave porque a montagem de um laboratório a cores era muito caro e então optou-se por trabalhar com grandes laboratórios que se formaram na altura e que trabalhavam para todos os fotógrafos mas, pensava eu, mais tarde iria ser impossível continuar, e pensei, para minha tristeza, largar a fotografia. (Mais tarde viria a saber que, com a evolução dos tempos e com as máquinas que se foram inventando, talvez o meu medo fosse infundado, pois as máquinas de revelar fazem o trabalho todo sozinhas com pouca influência do homem).
Com a vinda dos portugueses das ex-colónias alguns dos lugares de trabalho que estavam por preencher foram ocupados, havendo lugar a uma falta de emprego que se viria a reflectir na minha vida, pois a esperança de um lugar melhor num banco ou coisa assim deixou de haver.
Entretanto também a Jovifoto se apresentava com pouco fôlego e a sua sobrevivência não era evidente, pois o trabalho para o Ministério depois do 25 de Abril tinha baixado muito, as exposições caninas também deixaram de acontecer e os vencimentos tinham aumentado substancialmente.
Nesta altura a nossa vida familiar tinha melhorado financeiramente e a minha mãe iria abrir, na Damaia de Baixo, um minimercado ao qual chamaria “Brilhante” e a coisa resultou menos-mal. Não que se obtivessem grandes lucros pois os artigos de mercearia davam pouco mas ia-se sobrevivendo. Entretanto, com a Jovifoto a acabar, comecei a ajudar a minha mãe indo de manhã bem cedo à praça e ela começou a vender também fruta e verduras o que dava um pouco mais de lucro. Por fim eu próprio fiquei também na loja e a minha vida de fotógrafo acabara.

Em 1974, no princípio do ano lectivo, conheci no Externato Sebastião da Gama a que, muito mais tarde, viria a ser minha mulher. Não seria muito a sério o começo pois nessa altura eu não era muito de “estacionar” e gostava bastante de rédea solta, mas mesmo assim era intenso.
Bem a menina não era nada de se atirar fora e o contacto todos os dias na escola foi o suficiente para desencadear uma forte paixão que iria durar todo o ano escolar. Ainda duraria durante as férias, mas não muito tempo, pois nessa altura, já com carro, os meus voos começaram a ser mais largos, e a minha presença a rarear, até que… a coisa acabou.
Acontece o que tem que acontecer pois conforme diz a canção “o destino está traçado desde a hora em que nascemos” e, nos fins Outubro desse ano (1975), tive um acidente na estrada de Sintra e fui parar ao hospital. Primeiro ao de S. José e no dia seguinte para o hospital Marítimo Dr. José de Almeida em Carcavelos, com uma perna partida no fémur.
Então não é que a mocinha, de quem eu já me tinha despedido, começa a telefonar-me todos os dias para o hospital? (e ainda não haviam telemóveis!). E vai visitar-me e… como se diz hoje, “voltámos a andar”. Foi até hoje: quatro anos de namoro e trinta e um de casados.

No dia 8 de Dezembro de 1975 fugi do Hospital. Isto dito assim parece engraçado, mas na realidade não foi uma passagem muito fácil. Passo a contar: eu já estava quase recuperado da operação que me fizeram para aplicação de uma placa metálica para ajudar na solidificação do osso do fémur, aliás nesse dia tinham-me dado as canadianas para, no dia seguinte, começar a praticar, quando, nessa noite, houve um incêndio e tivemos que evacuar o hospital. Aprendi logo e depressa a andar com as ditas canadianas, inclusive a descer escadas pois a enfermaria era no 1º andar. Como estava muito frio na rua pedi autorização ao director para me ir embora para casa, o que ele autorizou e até me pediu que se pudesse levasse mais alguém. Então vim até ao portão do hospital e pedi a um condutor que afrouxava para ver o incêndio que me fosse chamar um táxi, ao que ele anuiu. Passados dez minutos já eu ia a caminho de Queluz com mais duas senhoras, que eu não conhecia de lado nenhum, mas que, rapidamente, fiquei a conhecer. Qual não foi o espanto da minha mãe quando lhe aparece aquele aparato, três espantalhos coxos de pijama a entrar-lhe pela porta adentro.
Lá de casa telefonámos para os familiares das minhas companheiras de fuga que as foram buscar e passados uns dias voltei ao hospital mas já lá não fiquei. Não aconteceu nada de grave aos doentes que lá ficaram, pois felizmente o fogo não consumiu mais do que uma ala, mas agora o chão era pouco para camas e já não havia lugar para mim, felizmente.

Com a minha ida para o hospital a mercearia, que já não andava grande coisa, começou a ficar pior. Naquele tempo para se vender alguma coisa tinha que se fiar e isso também ajudou a acabar mais depressa. O coração da minha mãe era feito de manteiga e tinha pena de toda a gente (bem eu também) e os nossos clientes era tudo gente pobre, de cor, do Bairro da Cova de Moura, mas normalmente pagavam tudo, ou quase tudo, quando recebiam. Na realidade sempre senti na carne vontade de interagir no sentido de mediar a diversidade que se sentia com as pessoas de outras etnias que eram excluídas socialmente e daí a vontade de os conhecer melhor. Os negros, devido à diferença aparente da pele e ao facto de durante muitos anos terem sido subjugados ao poder de outros homens, porque eram tidos como uma forma de vida menos digna e merecedora de respeito, continuam hoje em dia a serem odiados por várias pessoas. Talvez devido ao facto de Portugal ser um país com uma população envelhecida, com dificuldade de aceitação de novas culturas, hábitos e raças, contribui para o nível de racismo e discriminação existente em Portugal. Uma grande parte da população associa os povos de raça negra como sendo criminosos, sem vontade de trabalhar, ou seja, uma camada nefasta para a população portuguesa. Tal facto deve-se a um elevado nível de precariedade do trabalho (sua irregularidade horária, baixos salários, desqualificação) e elevados indícios de desemprego.
Uma das fontes de aproximação foi o facto de conquistar a sua amizade fiando-lhes o pagamento dos alimentos. Foi efectivamente um método que resultou, e, a partir daí, passei a compreender melhor essa realidade pois passei a ser convidado para as suas humildes casas e para a suas festas, conhecer a sua cultura e se até aí havia alguma dúvida verifiquei que era mais uma razão que eu continuar a respeitar as pessoas que conhecia menos bem.
O art. 13.º da nossa Constituição prevê que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, pri¬vado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascen¬dência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políti¬cas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
Nos últimos tempos o Estado português tem contribuído em muito para a atenuação dos conflitos sócio-culturais e atitudes de racismo, no entanto, segundo a minha opinião muito ainda deve ser feito, mas sobretudo a mudança de mentalidades das novas gerações virão acabar com esta problema.
(STC SF DR1+pag.51)
Mas, apesar de tudo, a loja não deu e tivemos que trespassar a loja.
Como não queria voltar à fotografia tive que procurar por outro lado e, mesmo antes de trespassar a loja já estava a trabalhar, agora no ramo hoteleiro. Lembrámo-nos que tinha um primo que trabalhava no Restaurante Solmar em Lisboa e fui perguntar-lhe se não haveria lugar para mim lá perto dele, e como precisavam de uma pessoa para a despensa lá fui eu.
Era um trabalho muito duro para as minhas forças. De manhã íamos quase todos os dias a Alverca, a uma quinta que lá tinham, chamada Quinta da Rebanquia que abastecia a Solmar, e outros restaurantes do grupo, de muitas várias coisas como legumes e frutas, onde eram criados cabritos e javalis e onde existia a lavandaria. Então, aí eram carregados os haveres encomendados e as grandes caixas com a roupa dentro, que haveriam de ser levadas com grande esforço, às costas, para a despensa, cuja porta se situava a meio de uma rampa muito íngreme, que fica entre a Solmar e o Coliseu de Lisboa. Também os javalis que eram levados inteiros para os frigoríficos, sobretudo na altura do Natal e outras festas anuais eram de enorme dificuldade de serem carregados rampa acima, mas enfim foi mais uma experiência. Em pouco tempo passava para outra zona do restaurante cujo trabalho não era tão difícil: a copa.
A copa era um lugar intermédio entre a cozinha e a sala e que servia para regular a saída dos pratos para a sala à medida que iam sendo pedidos pelos empregados de mesa. Também aí se faziam as sobremesas e alguns molhos, guardavam-se os vinhos, tiravam-se os cafés e guardavam-se outras coisas que seriam usadas na sala como por exemplo o gelo e os vinhos. Éramos normalmente três ou quatro por turno nesse trabalho. Mais tarde, por doença de um colega, passaria para controlador de caixa. Isso consistia em recolher os tickets de caixa dos empregados de mesa e fazer as contas em facturas para serem apresentadas aos clientes, depois receber o dinheiro e fazer o troco. Aparentemente é um trabalho fácil mas quando os clientes se lembram de pedir todos a conta ao mesmo tempo não é nada fácil, sobretudo porque a Solmar era um restaurante muito grande e sobretudo ao jantar quase sempre estava cheio, então em dias festivos, jantares de sexta, sábados e domingos era de estourar e depois no fim do dia as contas tinham que bater todas certas pois o subsídio para falhas era muito pouco.



Dos 20 aos 30

Entretanto por consequência do acidente deixei de estudar e a minha namorada também, então só namorávamos nos fins-de-semana em que ia a sua casa, em Bucelas. Guardados pela mãe, pelo avô e pela avó maternos sentávamo-nos num sofá e ali ficávamos as tardes a trocar ideias, poucos beijos e às vezes a dormir um para cada lado. Por meados de 1978, ao fim de quatro anos de namoro, e contra a vontade da minha sogra (aliás pela sua vontade acho que a filha nunca tinha casado), começámos a pensar em casar.
Começou aqui uma fase nova da minha vida. Até então nunca me tinha preocupado com a gestão dos dinheiros nem com economia, felizmente depois que comecei a trabalhar nunca foi preciso pensar muito em gestões, por um lado porque nunca fui um gastador excessivo nem um poupador compulsivo, por outro porque sempre ganhei dinheiro suficiente para as despesas e também sempre paguei os impostos devidos e acredito no estado social. Mas efectivamente naquela altura outros dados eram jogados: com a compra e montagem da casa eram necessários dinheiros que não haviam e recorrer a crédito foi obrigatório. Nesses tempos era um bocado diferente do que é agora, praticamente só havias dois bancos para se recorrer no caso da habitação: a Caixa Geral de Depósitos e o Crédito Predial Português e tinha que se optar por um deles, pedindo a simulação a cada um deles como é evidente. A inflação, o aumento no nível geral de preços, era na ordem dos 20% nos final dos anos 70.Também não havia o Banco Central Europeu para salvaguardar a estabilidade dos preços e os juros mudavam de dia para dia e a única coisa de que me lembro pela qual se podia optar era se o empréstimo era com juro fixo ou variável e para isso se pagavam diferentes prestações. Então lá fomos ver o que era mais barato e optámos por pedir algum dinheiro ao Crédito Predial e comprámos um andar em Bucelas.
É engraçado quando pensamos nessas datas em que não havia União Europeia nem Euros e o pobre do escudo vacilava acima e abaixo sem qualquer regulação nem taxas de juro médias. Também não havia, que me lembre, planos de poupança como o PPR, que foi criado para incentivar a poupança e garantir um complemento de reforma aos subscritores. Por outro lado naquela altura quem podia fugir aos impostos fazia-o, a evasão fiscal era quase incentivada e só declarava impostos quem queria. Não havia nessa altura a entrega do IRS e lembro-me, quando começou a haver essa obrigação, da grande dificuldade de toda a gente para o preenchimento dos impressos e as filas que haviam na altura da entrega nas finanças. Estávamos bem longe do dia de hoje em que até o podemos fazer sentadinhos na nossa secretária preenchendo um impresso no nosso computador e enviando-o com um simples pressionar de tecla. Também a fuga aos impostos é agora bem mais difícil com a admissão de novos inspectores, a optimização da utilização dos sistemas de informação, através da realização de cruzamentos sistemáticos da informação disponível, o reforço da estrutura orgânica da Inspecção Tributária e nomeação do Director de Serviços de Investigação da Fraude e Acções Especiais e da respectiva equipa. Também com programas de formação específicos e troca de experiências com a Polícia Judiciária no âmbito do combate à fraude fiscal, partilhando conhecimentos específicos da actuação de cada uma das direcções gerais. Eu estou completamente de acordo com todas estas medidas e ainda outras que não mencionei e outras ainda em fase de implementação, na medida em que, é a fraude a causa de distorções na actividade desenvolvida pelos diversos operadores económicos, limita a qualidade da prestação de serviços públicos e a dimensão social do Estado e determina o aumento da carga fiscal suportada pelos contribuintes cumpridores.
Foi efectivamente uma grande mudança: Mais de metade dos Estados-Membros da União Europeia adoptaram o euro como moeda oficial, constituindo um mercado único com centenas de milhões de habitantes, o euro é considerado um dos símbolos da identidade europeia. Outra inovação que nos facilitou deveras a vida foi a adopção da rede Multibanco Portugal foi um dos últimos países da Europa ocidental a instalá-la, o equipamento usado representou o que havia de mais avançado, baseado nas experiências de outros países, muitos dos quais gastam agora imenso dinheiro para substituir e actualizar máquinas obsoletas. O funcionamento do Multibanco teve início em Setembro de 1985, com a instalação de apenas 12 terminais nas duas principais cidades do país (Lisboa e Porto). O sucesso deste serviço foi enorme, existindo hoje milhares dessas caixas por todo o país (mais de 13.000 terminais — a maior densidade de caixas automáticas por habitante em toda a Europa).
A inflação estabilizou e neste momento com um bom exercício de gestão sobram-nos uns trocos que podemos investir em cultura: a compra de um disco, uma ida ao cinema ou ao teatro a compra de livros… naquela época devido à oscilação das taxas nem sempre era fácil saber se sobraria algum dinheiro ao fim do mês. Felizmente sempre me foi sobrando algum e tenho tido o privilégio de, moderadamente, ter acesso a esses bens de consumo, não é que eu pense que a cultura está demasiado cara, em geral os preços rondam os do resto da Europa: o preço de entradas em museus e outros organismos culturais, de livros, de discos ou o cinema e o teatro, na realidade os nossos ordenados é que são substancialmente inferiores aos do resto dos nossos parceiros europeus. Tendo isto em conta procuro saber de eventos culturais gratuitos, que também os há, sobretudo no Centro Cultural de Belém e invisto, moderadamente, em discos e livros. Escolho alguns filmes que passam na televisão, também aproveito quase todas as parcas peças de teatro que eles passam e, sobretudo, estou atento à programação da RTP2 cujos conteúdos são muitas vezes interessantes.
(STC GE DR3) (CLC GE DR3) (STC GE DR1) (CLC GE DR1)
Sempre com a guarda do avô da minha mulher lá fomos arranjando as coisas da casa: pintura das paredes, mobilar, etc. Até que um dia o avô adormeceu e precipitámos o casamento. Então em Dezembro reunimos os padrinhos e alguns familiares e demos o nó. Não foi uma grande festa mas foi a possível e foi só pelo civil pois nem eu nem a minha mulher somos muito ligados a Deus.
Por ter falado em Deus cabe-me neste momento uma reflexão.
Como disse logo no princípio da minha história, a minha mãe teve o cuidado de me baptizar, não pela preocupação do seu anjinho ter algum problema de saúde mas pelo facto da sua convicção. Seria pois baptizado bem cedo, aos dois meses de idade.
A minha mãe era uma religiosa confessa, acreditava em Deus não sendo uma católica convicta. Um primo seu, que na altura era pároco numa igreja do concelho de Sintra tinha-a desiludido porque vivia maritalmente com uma senhora. Tiveram várias discussões mais ou menos teológicas e a minha mãe empreendeu que ele não tinha direito moral para representar o Cristo aqui na Terra. Nem ele, nem mais nenhum padre, ponto final. Com direito ao pecado estava lá ela que não se tinha entregue a Deus.
Lembro-me de que venerava todos os dias e era fiel convicta da Senhora de Fátima e dos seus milagres, à qual mantinha um pequeno santuário sempre iluminado e com flores, as mais frescas possível.
Mais do que isso, sempre fez com que eu tivesse sido educado sob os ensinamentos da Santa Mãe Igreja, tanto que, além do baptismo, recebi a 1ªcomunhão e a Comunhão Solene. Aos onze anos já explicava aos mais pequenos a catequese na Igreja de Santa Marinha em Gaia, onde fiz a Comunhão Solene, aprendi a ajudar à missa e muitas vezes o fiz, sabendo acompanhar a liturgia da eucaristia na ponta da língua, e sendo algumas vezes convidado para a liturgia da palavra, nomeadamente para a primeira leitura. Mais tarde fiz parte do coro da Igreja de Sacavém o qual me deu o maior gozo pois foi numa altura em que se tentou modernizar a homilia com música moderna (para a altura), em que eram usados instrumentos tão contra natura na igreja como a guitarra e a bateria, lembro-me que tal facto não foi ao princípio de fácil aceitação por parte da generalidade dos fiéis mas depois de habituados deram-nos bastante apoio. Pouco tempo depois afastei-me por falta de tempo e fé.
A idade foi-me tirando a convicção e Deus não ajudou. A minha família passou por uma grave crise e a senhora de Fátima também não ajudou. A minha mãe continuou convicta mas eu não.
Também, entrava na era dos porquês fundamentais e as respostas que obtinha aproximavam-me mais da ciência do que da teologia, por outro lado as grandes dúvidas afastavam-me mais de Deus e aproximavam-me da ciência.
Despertou-me no entanto o querer saber o motivo de os povos se moverem atrás de uma religião e isso obrigou-me, uns anos mais tarde, a querer saber mais sobre algumas religiões, nomeadamente obter as razões da sua diferença, pois para mim, que tinha sido educado no monoteísmo, julgava não poder haver grandes diferenças entre nós católicos e, por exemplo, os árabes ou os judeus que, proclamam o mesmo Deus.
Tinha já a certeza de que as pessoas daqueles países das Índias e os “Achinesados” (China, Japão, Vietname, Coreias e outros), por serem politeístas não poderiam ter o mesmo nível de pensamento, por outro lado também não me lembrava de qualquer conflito entre esses longínquos seres e os nossos mais próximos “irmãos”.
Pois se ele era o mesmo qual a razão de tanta diferença e de tanta carnificina no decorrer de tantos anos? E sendo ele o mesmo, tão amado e tão poderoso, como é anunciado por todos, qual a razão da sua não providencia por aqueles que o amam e o temem no sentido de se unirem para o venerarem? E porquê temê-lo se todos dizem que ele é a bondade? E outros porquês aos quais não encontrei resposta lógica.
É claro que não foi inútil a busca, até porque, pelo facto de ter convivido com os intervenientes, a procura das respostas foi enriquecedora. Por ironia do destino fui obrigado por motivos de trabalho a viver muito perto dos muçulmanos e entender melhor a sua religião. E, na realidade, o que fui encontrar foi o que realmente me afastou de Deus.
A vida de casado não era muito má, tanto assim que engordei rapidamente dez quilos. Quando casei pesava só sessenta e um ou dois e passei para os setenta. Na verdade a vida de casado era muito mais calma, não tínhamos qualquer compromisso social e então era só trabalhar e desfrutar da lua-de-mel. A Lurdes, minha mulher, trabalhava, e trabalha, na Rodoviária de Lisboa em Bucelas e nos primeiros tempos eu também trabalhava em Bucelas e não tínhamos carro por isso não saíamos muito.
Ocupávamo-nos com as lides domésticas visitávamos os pais e os avós dela, a minha mãe visitava-nos de vez em quando, outras vezes éramos nós quem ia ao fim-de-semana a Queluz para a visitar e pouco mais. Outro dos nossos entretenimentos era a divisão das tarefas caseiras e a aprendizagem da nossa própria casa e de nós mesmos perante a casa comum.
Por exemplo o nosso contacto com os electrodomésticos novos e a nossa interpretação sobre a sua utilização. Na minha opinião dever-se-ia ler todos os manuais de instruções e aplicar os seus mandamentos, para a minha mulher os electrodomésticos eram todos iguais, a sua mãe já os utilizava, eram dez minutos para isto cinco para aquilo, etc, para mim tudo deveria ser feito segundo o fabricante. E ainda hoje acho que tenho razão, senão vejamos quando nos confrontados com um electrodoméstico que era na altura muito moderno: o microondas.
Efectivamente parecia magia como tudo acontecia, desde o descongelamento ao aquecimento e até ao cozimento dos próprios alimentos, sem que nos apercebêssemos de qualquer luz ou chama, mas a não leitura do manual de instruções, sobretudo na parte das precauções poderia ser muito grave. (VER DOC___em Evidências Formais) Como se vê são muitas as precauções a tomar quando se lida com este tipo de equipamento por exemplo como se vê na alínea a) das “precauções par se evitar exposições à energia do forno” que diz “Não tentar trabalhar com a porta do equipamento aberta nem intervir em bloqueios de segurança (suportes da porta) ou para tapar buracos de segurança”.
ou na o ponto 1 das “precauções de utilização” que nos alerta para a não utilização de nenhum utensílio metálico no interior do forno pois podem provocar arcos eléctricos ou faíscas que danificariam as paredes do forno.
Mais do que isso o importante foi apercebermo-nos da fonte de energia do microondas. Primeiro que tudo a energia da nossa rede (alterna), é transformada de corrente alterna em corrente contínua por um transformador incorporado no aparelho, e alimenta um magnetrão. Seria fastidioso explicar todo o processo mas, resumindo, o magnetrão gera um campo magnético que acelera os electrões gerados entre um ânodo e um cátodo de corrente alterna, que varia consoante a frequência, regulada por nós, e que vai atingir o nosso alimento. O segredo vem a seguir: Somente moléculas de água, gordura e açúcar entram em ressonância com os microondas. Isso significa que apenas os alimentos que contêm essas moléculas são aquecidos pelo forno. Então, o ar, os vasilhames de vidro, plástico ou outros materiais não são aquecidos, o que representa uma grande economia de energia. O ar e os vasilhames colocados no interior da câmara de cozimento aquecem apenas por condução ou convecção através do alimento aquecido. A quantidade de água, não repartida da mesma maneira no alimento, faz com que certas partes do alimento fiquem mais ou menos quentes que outras, mas havendo libertação de calor, as moléculas de água têm tendência a passar do estado líquido ao estado gasoso, o volume de vapor assim produzido vai cozinhando o alimento. É também por essa razão que ocorrem explosões nos alimentos.
A desvantagem é que é necessário bastante cuidado no seu manuseamento.
Mas realmente as vantagens são muitas: é mais prático, rápido, suja-se menos loiça etc.
(STC EST DR1)
Também fiquei convencido que microondas podem ser uma fonte de cultura ao ver o vídeo seguinte:






e de transmissão de informação ou comunicação quando li:

“Uma vez que os comprimentos de onda capazes de penetrar na atmosfera terrestre variam entre aproximadamente 1 cm e 30 metros, as microondas têm interesse para a comunicação com veículos espaciais, bem como para a rádio astronomia.
A transmissão de conversas telefónicas e de televisão, a orientação de aviões, estudo da origem do Universo, aberturas de portas de garagem e estudo da superfície do planeta são algumas aplicações dos microondas.”
http://nautilus.fis.uc.pt/wwwfi/hipertextos/espectro/hiper_espectro_mo.html
(CLC EST DR1)

Entretanto a barriga da Lurdes ia ficando maior e a maior azáfama era para preparar as coisas para o filhote que nasceria em Maio.
E seria numa, segunda-feira, como o pai, 21 de Maio de 1979, que o malandro nasceria numa clínica da Rua da Palma em Lisboa.
Exactamente no meu primeiro dia de trabalho na nova firma (o que fez com que eu nem tivesse coragem de reivindicar os dias que se facultavam na altura aos recém papás), passado pouco tempo de termos chegado a casa a Lurdes começou a perder as águas. Corri à casa dos meus sogros para ir buscar o carro e foi uma correria até à clínica, talvez por isso, quando lá chegámos, a dilatação já era de quatro dedos e pensei que iria ser rapidamente pai. Mas não foi, pois só às onze e vinte da noite nasceria o passarão, saudável e com três quilos e tal.
Com a vinda do novo membro, que para não haver confusões, passou a chamar-se Filipe (pois adquiriu o nome do pai Helder), as coisas complicaram-se mais um bocadinho mas no fundo era mais uma coisa para nos entretermos. Como almoçávamos sempre fora só à noite estávamos em casa. O pequeno ficava em casa dos meus sogros e quando saíamos do emprego íamos lá buscá-lo. A Lurdes não tinha grande jeito, mas eu com o miúdo desenrascava-me bem e até me dava gozo, à excepção de algumas fraldas, pois o meu estômago tinha uma certa dificuldade de estabilidade. Então o filhote passou a ser mais uma das minhas tarefas. Nessa altura também fazia, a maior parte das vezes, o jantar, enquanto a minha mulher tratava das outras coisas.
Nesse ano não fizemos férias mas no ano seguinte fomos uns dias para o Algarve. As “massas” não eram muitas e não tínhamos carro, então o meu sogro emprestou-me uma camioneta de carga que tinha na altura e fomos à aventura.
Chegados a Portimão fomos à procura de onde ficar, então alguém nos falou de uma senhora que se calhar não se importaria de nos alugar um quarto e lá fomos. Quando batemos à porta, a senhora nos atendeu e lhe dissemos ao que íamos a pobre ficou atónita. Por um lado era a primeira vez que alugava um quarto, por outro o nosso aspecto parecia não ser o de pessoas responsáveis, éramos muito novos e vestíamo-nos muito à-vontade e isso assustou a pobre da D. Isabel que, muito a medo, lá nos deu guarida.
Para dizer que a partir deste pormenor se criou uma grande amizade com a D Isabel e o marido o Sr. Serafim e a filha , da nossa idade, que também se chamava Lurdes. No ano seguinte já tínhamos comprado um carrito e já podíamos fazer as nossas férias mais facilmente e voltámos lá para fazer férias, já com o filhote, e, ainda hoje, somos muito amigos pois falamo-nos amiúde por telefone e sempre que vamos para o Algarve, temos lá o nosso quarto, e até já lá temos ido de propósito para os visitar.
Tudo corria bem na nossa pacata família quando, nos finais do ano de 1983, houve umas chuvadas enormes e num dos dias que choveu mais a casa dos meus sogros foi inundada.
Eles, já tinham conhecido a tragédia das cheias em 1967, aquando das grandes cheias na zona de Lisboa, que mataram mais de quinhentas pessoas, e tinha atingido a casa onde moravam, que era a mesma, e donde eles se tinham safo por pouco. Foi pois bastante a tempo que os meus sogros, foram auxiliados pelos bombeiros, pois o avô da Lurdes nessa altura estava acamado (a avó já tinha falecido), e vieram para a minha casa. A casa deles ficaria efectivamente inundada com mais de meio metro de água e lama e o susto foi novamente grande. Então os meus sogros decidiram nunca mais voltar a lá morar e permaneceram na minha casa. A casa não era grande, eram três assoalhadas e não eram muito grandes. Assim o filhote passou para o nosso quarto, o velhote para o quarto do Filipe e os sogros foram para a sala de jantar.
Como se pode imaginar foi uma grande chatice para nós que estávamos habituados à nossa liberdade de estar e de pensar, a partir de certa altura já não mandávamos em nada pois “por sermos novos não sabíamos de nada”, palavras da minha sogra, e tivemos que pensar noutra solução.
O meu sogro tinha há tempos adquirido um terrenozito à saída de Bucelas e combinámos então que nesse terreno se faria uma casa com dois pisos, se dividiria o piso superior e que, mais tarde, depois de nós vendermos o andar, se dividiria o outro piso, passando a viver uns em cima e outros em baixo. Se assim se pensou, melhor se fez e a partir daí foi uma correria e todos os minutos aproveitados para a construção da casa.
1984 seria então o ano de construção da nossa nova casa. A escolha do terreno tinha sido estratégica pois não ficando muito longe do centro de Bucelas, ficava próxima dos transportes públicos e do comércio bem como do parque de brincadeiras para o miúdo, era suficientemente grande para termos um belo quintal onde o miúdo podia correr e onde se podia fazer umas plantações de alguns produtos hortícolas bem como árvores de fruta.
Não foi muito fácil começar pois, metidas as licenças, além de sermos intimados a dar uma faixa enorme de terreno para o alargamento da estrada, nos obrigaram ainda a fazer um muro enorme para sustentá-la. Não me lembro quantas, mas juro que foram mais de cem, as carradas de pedra que carregámos para o dito muro e para os caboucos para os alicerces da casa. Também carregámos bastantes camionetas de areia, de tijolos, de telhas enfim foram inúmeras as camionetas de materiais. Interessante foi o termos de saber as quantidades, já que não havia dinheiro para desperdícios, então tínhamos de recorrer aos desenhos para calcular as quantidades de tijolo ou de mosaicos que teriam de ser comprados, dependendo claro, dos tamanhos dos próprios mosaicos que escolhíamos. Lembro-me de um dia ter de recalcular a quantidade do chão da cozinha pois de um momento para o outro a minha mulher se lembrou que mosaicos de 10x20 eram mais bonitos do que os de 15x15 que já tínhamos escolhido. Depois também eram importantes as conversas com os vendedores pois não conhecíamos bem a qualidade dos produtos e a sua diversidade foi pois uma grande aprendizagem. Não sem que de algumas vezes fosse necessária alguma firmeza já que é muito fácil vender gato por lebre a um leigo e, num caso em que me enviaram uns azulejos todos cheios de defeitos, tive mesmo de reclamar para que as pessoas aceitassem que me estavam a enganar. É claro que após este incidente se desdobraram em desculpas para não perderem o cliente mas estou, ainda hoje, convicto que a vontade era de me intrujarem. Hoje em dia com a introdução do Livro de Reclamações quando algo não corre bem na prestação de um serviço ou na compra de um produto, o consumidor pode solicitar este livro e reclamar logo nesse local, sem nenhum encargo. Mesmo que a entidade a quem a queixa é enviada já não possa solucionar o problema, esta forma de reclamar pode ajudar a evitar que outros cidadãos sejam prejudicados pelas mesmas razões.
(CP CFE DR3)

Depois seria o nascer das paredes e com elas bastantes problemas com os pedreiros que não estavam para aturar a mestra de obras: a minha sogra.
Alguns lá se aguentaram e a primeira fase da casa seria acabada.
(CLC UM DR1) (STC UM DR1)

Por essa altura já tínhamos comprador para a nossa casa, com um lucro simpático pois pagámos o empréstimo e ainda rendeu alguma coisa para a casa nova.
A nova casa era mais espaçosa e seria para menos um, pois o avô da Lurdes tinha falecido, mas a nossa autonomia continuava a não melhorar, e só uns meses mais tarde, e umas zangas passadas, que se conseguiu acabar o piso inferior e que a nossa liberdade, pelo menos parcial, voltaria.
Com o tempo tudo voltaria à normalidade e a nova casa lá se foi transformando em lar e assim se mantém até hoje. Algumas modificações necessárias se foram fazendo com o tempo: o quintal foi sendo plantado, para tal mandámos fazer um furo pois no subsolo havia água que dava para as regas, mais tarde fizemos uma garagem depois uma cozinha com churrasqueira e uma lavandaria. Um dos grandes problemas da zona é o frio. Naquela zona é sempre 2 ou 3 graus mais frio do que no centro da vila. Pensámos em fazer uma lareira com recuperador de calor por vivermos numa zona rural e ter alguma facilidade para obter lenha como combustível. Com o recuperador poderíamos aproveitar a convecção (a convecção é soma de dois fenómenos físicos, a condução de calor (ou difusão de calor) e a advecção de um meio fluido (líquidos e gases)) para aquecer toda a casa, mas depois de pesar as vantagens e os inconvenientes (obras, preço da lenha, a necessidade de ter de acender sempre para aquecer toda a casa quando só precisássemos de aquecer uma divisão, etc) optámos por ar condicionado com inversor pois devido a esse sistema, que tem a capacidade de variar o seu nível de funcionamento em função das necessidades que o espaço que está a ser climatizado precisa, conseguimos poupar muita energia. Também quando fizemos a casa utilizámos janelas de madeira que não eram as mais apropriadas para uma poupança de energia devido às fugas, assim, todos os anos, tenho de ter o cuidado de calafetá-las. É claro que não é só com isto que consigo alguma poupança de energia, também os nossos hábitos se têm vindo a modificar: optar por aproveitar a luz natural proveniente do sol, a nível de iluminação optar por lâmpadas fluorescentes compactas que apresentam um consumo de energia 80% inferior às lâmpadas tradicionais, evitar os modos de standby.
Este ano mandei montar um painel solar para aproveitar a luz do sol para o aquecimento de água e para 2010 já tenho a autorização para montar um sistema de microgeração que já está encomendado.
(STC AS DR1)

Após o casamento tínhamos começado a pensar que seria melhor se eu trabalhasse mais perto de casa, evitando todos os dias a ida para Lisboa (o que viria, mais tarde, a revelar-se o contrário), e, como tínhamos pessoas conhecidas da minha mulher numa firma que actuava em Bucelas, com uns pedidos, foi fácil arranjar esse emprego. E exactamente no dia em que nascia o meu filho, 21 de Maio de 1979, entraria para os quadros da Gremetal.
Mais uma vez mudaria de ramo, com uma certa mágoa pois estava a gostar da indústria hoteleira, e passaria a ser fiel de armazém no armazém de manutenção eléctrica e mecânica da Gremetal, uma empresa de metalúrgica e metalomecânica, sobretudo de montagens, pois que o fabrico era limitado a peças mais ou menos pequenas, já que, havia grande dificuldade para sair de Bucelas com peças grandes. Para quem conhece a região sabe que as três saídas de Bucelas são problemáticas nesse aspecto: a saída para Norte é muito estreita, para Sul tem a ponte sobre o rio Trancão que faz um “S” com curvas opostas a 90º e para Este devido às curvas da Romeira e sobretudo ao último gancho ao fim da descida do Cabeço da Rosa.
A Gremetal foi uma empresa que se pôde considerar grande na sua época e tinha várias viaturas ligeiras e pesadas e também gruas automóvel, daí o armazém de manutenção. Também tinha uma secção de electricidade e todos os materiais utilizados estavam neste armazém.
Pouco tempo depois de eu ter entrado houve uma remodelação estrutural e o armazém de manutenção foi integrado numa estrutura maior, a que se chamou Serviço de Apoio e que compreendia todos os armazéns, os transportes, a gestão das gruas, a montagem de estaleiros, enfim toda a logística da Gremetal. Foi pois um trabalho bastante interessante e diversificado e, em pouco tempo, estava a par de todos os diferentes trabalhos que eram feitos, tanto que, em menos de um ano, me convidaram para coordenar o serviço de apoio em duas obras muito importantes que a Gremetal fazia na altura que era o Revamping da Petrogal em Cabo Ruivo e, também em Cabo Ruivo, a construção da fábrica de Anidridos Ftálicos na Petroquímica. Neste trabalho estive mais ou menos três anos e depois fui convidado para ir trabalhar em Marrocos.
Entretanto quando trabalhava em Cabo Ruivo fui-me apercebendo de outros trabalhos acessórios da montagem metalomecânica como foi o caso do controlo de qualidade. Como trabalhávamos muito perto fui-me apercebendo que para verificar a qualidade das soldaduras eram feitas radiografias e, por acaso, soube que umas radiografias que tinham sido tiradas numa outra obra, teriam que ser todas repetidas pois estavam todas sobre expostas e eram ininterpretáveis, se bem me lembro, eram mais de quinhentas, ou seja uma pipa de trabalho. (a interpretação das radiografias faz-se fazendo passar luz através delas para se ver se existem descontinuidades na soldadura, tal como os médicos vêem os ossos partidos e outras malformações nas radiografias médicas). Ao saber disto lembrei-me de um velho truque que fazíamos em fotografia que fazia com que, tanto o papel como as películas aclarassem. Isto era parte de um processo que era o de fazer as fotografias com cor sépia, como já expliquei atrás, uma cor amarelada que se vê em fotografias antigas. Então para se fazerem tais fotografias estas eram processadas normalmente, depois eram metidas num banho que nós chamávamos “ferri” e que era muito perigoso por ser na realidade um ácido ferricianeto, e que fazia com a imagem da fotografia desaparecesse. Depois a foto era metida noutro banho que era um sulfeto de enxofre e que cheirava malíssimo, como as bombinhas malcheirosas de Carnaval, e voltava a “nascer” mas naquele tom amarelado. Depois de novamente fixada e bem lavada tínhamos a nossa fotografia sépia. Ora usando o ferri até que as películas estivessem na tonalidade desejável faria com que elas pudessem ser interpretadas. A dificuldade foi encontrar quem vendesse o ferricianeto pois era considerado um produto perigoso e as drogarias que, no meu tempo de fotografia vendiam esses produtos, já não existiam. Não me lembro bem como, mas conseguiu-se arranjar o bendito do cianeto e o retrocesso da densidade das películas foi um sucesso, ao ponto de o responsável pelo controlo de qualidade me solicitar no seu serviço. Um pouco deslumbrado com o sucedido acedi a trocar de secção e passei para o controlo de qualidade. Não seria por muito tempo a minha permanência pois um mal entendido com o chefe me fez regressar novamente para o serviço de apoio. Tal mal entendido, da parte do chefe do controlo de qualidade seria mais tarde esclarecido com pedido de desculpas por parte do dito e que, como veremos mais tarde daria origem ao meu retorno definitivo ao controlo de qualidade.

Como disse mais acima fui para a Gremetal para ir para perto de casa mas como vemos cada vez ia para mais longe. Tive então um apelo, como qualquer bom português, pela emigração. Não pela mesma razão que leva as andorinhas ou as cegonhas a visitar o nosso país, pois só o nosso calorzinho basta para elas, mas à procura de melhor qualidade de vida que foi a razão que levou milhares de humanos a migrarem desde os tempos mais remotos. Noutros tempos os migrantes faziam as suas deslocações de barco para o Brasil mais tarde de comboio para a França e a Alemanha mas como emigrante moderno fui de avião para a terra que me iria acolher por três anos: Marrocos.
(STC UM DR4)
Como disse atrás, fui convidado para ir para Marrocos no âmbito do serviço de apoio para uma obra que a Gremetal estava a começar, a construção de uma grande fábrica de fosfatos e a sua ligação a um porto de mar, perto de El Jadida (a nova) (a antiga Mazagão portuguesa), uma cidade 100 km a sul de Casablanca, num lugar que se chamava Jorf (cabo) Lasfar (amarelo).
O trabalho que seria para um ano e meio sendo que de três em três meses viria passar uma semana a Portugal, além do mês de férias claro. Na verdade algumas das semanas que deveria cá vir foi a minha mulher e o filhote que foram lá. Vivia numa terra entre El jadida e Jorf Lasfar que chamava Sidi Bouzid, que era como um paraíso na terra. Uma estância de férias dos senhores ricos de Marrakech e que rendeu uns belos dihrams aos seus donos pois foi completamente alugada aos quadros estrangeiros que trabalhavam na construção da fábrica de Jorf Lasfar. Estávamos lá, além de muitos portugueses, Franceses, Espanhóis, Japoneses alguns, poucos, Ingleses e também, muito poucos, de outras nacionalidades. Ao princípio agrupávamo-nos dois a dois, mas com a ida das famílias resolvi arranjar uma casa só para mim e foi assim que passei todo o tempo enquanto lá estive. Claro que tive que arranjar uma empregada para os trabalhos de limpeza e roupas pois eu não tinha tempo, mas as minhas coisas e a comidinha era eu que fazia.
Desde muito pequeno, fui ensinado no sentido de saber fazer tudo em casa e, sobretudo cozinhar, desculpem-me a imodéstia, faço-o bastante bem.
A nossa equipa era de dez portugueses: além de mim era um outro coordenador, que por acaso era primo da minha mulher, dois mecânicos, um electricista e cinco operadores de grua, tudo o resto era pessoal local. O trabalho era a mesma coisa que se fazia cá em Portugal, mas com o aliciante (e a dificuldade da comunicação) de ter que se falar uma língua diferente (francês) e com colaboradores diferentes, marroquinos (grande parte só falava árabe).
Ao fim de algum tempo o meu francês de escola melhorou significativamente e até algumas palavras em árabe fui aprendendo, nomeadamente os números e outras palavras essenciais como obrigado, por favor, pão, água, etc., ao ponto de já discutir os preços no mercado e obter bons preços o que era uma arte.
Tive a oportunidade de constatar que os portugueses no estrangeiro são muito mais unidos: era raro o fim-de-semana que em casa de um ou de outro não houvesse uma festa ou um pequeno convívio e toda a gente se animava depois de uma semana de trabalho. Também aproveitei para conhecer aquele povo de costumes tão diferentes dos meus. Conheci das pessoas mais modestas às mais bem posicionadas na escala social que era muito diversa (era nessa altura, mas acho que agora com este novo rei o país está mais democratizado). Dei-me bem com toda a gente e aprendi muito. Uma coisa que nos foi ensinado antes de partirmos foi que, num país diferente, sobretudo num país muçulmano, não deveríamos ter conversas de teor político ou religioso, também sabíamos dos costumes bem diferentes desses povos e que devíamos respeitar. Mas, tendo sempre uma certa prudência e uma certa escolha, é claro, consegui falar de assuntos à partida proibidos.
Assim consegui conhecer esse povo com bastante profundidade, bem como aos seus costumes tão diferentes dos nossos, como por exemplo o do jejum, em que só é permitido comer após o sol pôr e antes do sol nascer durante um mês inteiro, o Ramadão, coisa que não é concebível nos nossos hábitos alimentares, e, mesmo assim, continuavam a trabalhar, e mesmo a praticar desporto, durante o dia. Talvez devido aos nutrientes da sua alimentação, muito à base de cereais e pouca carne, por exemplo porco não comem, e talvez também devido ao facto de não consumirem álcool, ou seja, fazendo, sem notarem, o que nós os europeus consideramos a alimentação ideal: com muitas proteínas e poucas gorduras o que caracteriza a roda dos alimentos.
Decerto que não era pelo conhecimento dos cuidados básicos de alimentação pois essa informação não era nessa altura transmitida e a maior parte das pessoas não possuíam muita cultura ou acesso a ela. Depois a prática de exercício era uma obrigação pois a maioria tinha que fazer longas caminhadas só para ir trabalhar já que transportes públicos eram raros.
Também tive bastante convivência com franceses e consegui limpar em mim um pressuposto de que eram pessoas arrogantes e chauvinistas. Na realidade achei que eram pessoa muito sociáveis e em quem se podia confiar e, sobretudo no trabalho, sem rodeios ou com imposições das suas ideias ou maneiras de fazer.
(CP-IA-DR2)
Aproveitei também para conhecer quase todo o país, sobretudo nas alturas em que estava com a minha mulher e, como vivia mais ou menos ao centro do país foi fácil indo uns dias para norte, outros para sul e ainda outros para o interior, fiz vários passeios bem interessantes, ficando só por conhecer o nordeste e o centro Este junto do deserto o que ficaria a conhecer numas férias que fiz posteriormente.
Passado um ano e meio vim para Portugal mas nem quinze dias eram passados a Gremetal arranjou um outro trabalho em Marrocos, mais a Sul, outra montagem de outra fábrica de fosfatos numa terra que se chama Youssoufia, que fica entre Safi e Marrakech e fui destacado para lá.
Muito embora fosse um trabalho de menor envergadura do que se estava a fazer em Jorf tinha a vantagem, para mim, de fazê-lo à minha maneira e correu muito bem e foi quase um ano.
Quando acabei este trabalho ainda se acabavam os trabalhos em Jorf e fui convidado para reintegrar o Controlo de Qualidade com o fim de assumir o lugar de um colega que partia para um trabalho novo na Tunísia. Como em Jorf estava tudo encaminhado seria fácil continuar e acabar o dito trabalho. Presente envenenado pois não estava nada tão bem encaminhado como isso faltando ainda muito para estar concluído. O que era preciso era compilar todas as evidências de que as soldaduras dos diversos tanques, esferas ou tubagens tinham sido controladas por radiografia, fazer relatórios e dossiers para entregar ao cliente. Acontece que depois de tudo analisado se chegou à conclusão que ainda faltava radiografar muito. Ainda por cima operadores da Gremetal só tinha um e o resto era contratado com firmas locais. Aí tive que arregaçar as mangas e além do trabalho de escritório tive que ajudar o operador para se conseguir acabar o trabalho. O stress era muito e não tive o cuidado suficiente e acabei por cair numa das esferas e partir o joelho. Seria no dia seguinte evacuado para Portugal e faria mais um estágio hospitalar, desta vez no Hospital da CUF na Cova da Moura em Lisboa.



Dos 30 aos 40

Nunca tive grandes problemas de saúde a não ser, como disse logo no início, a asma que me tem acompanhado toda a vida.
A asma é uma das doenças crónicas mais frequentes, estimando-se que, em Portugal, existam mais de 600000 asmáticos. A prevalência da asma, embora sendo mais elevada na população infantil e juvenil constitui uma causa frequente de perda de qualidade de vida, assim como de incapacidade, para o asmático de todas as idades (DGS, 2002). Não sendo uma doença transmissível é a nível mundial, uma das doenças crónicas mais frequentes e afecta, segundo estimativas internacionais, mais de 150 milhões de pessoas em todo o Mundo.
A asma é uma importante causa de internamento hospitalar e, também, de sofrimento a vários níveis, por vezes diário e repetido, extensivo às famílias e grupos de pertença do doente, inserindo condicionamentos à sua actividade normal e, portanto, à sua qualidade de vida.
Os factores que influenciam o risco de asma podem dividir-se em factores que causam o desenvolvimento de asma e factores que desencadeiam os sintomas de asma. Alguns deles intervêm nos dois aspectos. Os primeiros incluem os factores do hospedeiro, que são predominantemente genéticos. Os segundos são habitualmente factores relacionados com o meio ambiente, como os alergénos domésticos (ex: ácaros, fungos, epitélio de animais, etc.) ou alergénos exteriores (ex: pólenes) ou o fumo de tabaco.
A asma pode ser prevenida. Acredita-se que o cuidado na exposição de crianças (com história familiar de asma ou de utopia) ao tabagismo passivo, aos ácaros domésticos, aos gatos, e aos alergénos de baratas, possa ajudar a prevenir o desenvolvimento inicial da asma. Os adultos devem evitar a exposição aos fumos e a sensibilizantes químicos no local de trabalho.
Nos últimos anos tem havido grandes avanços científicos relacionados com a problemática desta doença, nomeadamente na procura de vacinação para as várias alergias associadas à doença, também no estudo da qualidade do ar, no estudo genealógico e no desenvolvimento de terapêuticas.
(STC Saúde DR4)
Mas idas ao hospital já foram umas quantas. Já expliquei a minha primeira ida mais atrás e esta seria a segunda. Quando caí da esfera fui levado para uma clínica em El Jadida onde me informaram que tinha a rótula partida em três pedaços e que teria que ser operado. Ao mesmo tempo aconselharam-me que o fizesse em Portugal pois era uma operação delicada e em Marrocos não haveria os melhores meios. Quando cheguei a Portugal vinha cheio de dores e com a perna inchadíssima embora viesse aconchegada entre duas talas. Dirigi-me logo à Cruz Vermelha Portuguesa porque alguém me disse que era o melhor local para ser tratado, mas nem sequer me viram a perna, simplesmente não me aceitaram, por não ser sócio, então tive que ir para o Hospital da CUF, que pertencia à companhia de seguros, e foi aí que fui tratado. No hospital foi-me diagnosticado ser operado nos próximos dias o que aconteceu. Depois de operado soube que me tinham retirado a rótula e que iria viver sem ela. Estive mais ou menos um mês em recuperação no hospital e depois, a pouco e pouco fui recuperando e, com ajuda de fisioterapia, os movimentos foram indo ao sítio muito embora nunca mais ter recuperado o movimento total ao dobrar o joelho.
Mais tarde iria novamente passar umas férias num hospital, seria no Hospital Pulido Valente, agora devido a problemas com a asma. Aí passaria uma semana tendo recuperado bem.
As outras doenças começaram para aí há quatro anos, quando deixei de fumar e comecei a ir regularmente ao médico.
Agora tenho um bom catálogo: tensão alta, diabetes, colesterol e se calhar outras que não sei, mas a que me continua a incomodar é sempre a mesma, a falta de ar, pois além de não melhorar parece não estar estabilizada como até há uns tempos. Enfim logo se verá.
Uma das coisas que me fez melhorar a qualidade de vida foi o facto de há quatro anos ter deixado de fumar.
Os meus pais eram ambos fumadores e aí pelos nove anos já “roubava” um ou outro cigarrito ao meu pai que fumava, às escondidas, claro. Lembro-me que quando andava na Escola Preparatória já fumava uns quantos por dia. Para isso ia pendurado nos transportes públicos afim de poupar o dinheiro que a minha mãe me dava e comprar quinze tostões de cigarros, ou seja, seis. Quando comecei a trabalhar comecei a fumar “oficialmente” e até hoje ainda não tinha parado.
Foram portanto quarenta anos de fumo a que decidi por termo. De facto já sentia que me estava a fazer mal pois quando precisava de dar uma corrida, ou quando subia uma escada maior, não conseguia.
Mas foi realmente difícil.
Nos primeiros tempos, para aí até ao segundo mês, andava irascível, mas depois foi passando, embora, ao fim de quatro anos, ainda tenha, todos os dias, vontade de fumar um cigarro. Ao fim de mais ou menos dois anos tinha melhorado significativamente o olfacto, e o sabor também melhorou substancialmente, o único senão é que a partir daí comecei a engordar e agora tenho mais de 20 quilos acima de quando fumava, o que também não é muito saudável.
Sei que não faço muito exercício físico e que isso me faz falta, mas são hábitos que não fáceis de adquirir aos cinquenta…
Não me apercebi, enquanto estive em Marrocos que a Gremetal em Portugal estava numa fase de grande decadência, aliás ao que julgo ainda hoje, decadência forçada.
Na realidade o dono da Gremetal era uma pessoa de grandes negócios e que fazia e desfazia empresas com enorme facilidade, e impunidade. A Gremetal em Marrocos cedo passou a ser outra firma e a designar-se Gremetal Afrique, as gruas que a Gremetal tinha eram agora propriedade da Vendap que por sua vez era do mesmo dono, do mesmo grupo eram também outra como a Metalrruda e até empresas como a Maxburger eram do mesmo senhor. Chegámos a contar entre pequenas e grandes vinte empresas diferentes ao mesmo tempo.
A Gremetal tinha aumentado muito, os escritórios que eram em Bucelas em módulos passaram a ser em Lisboa num edifício inteiro de cinco andares em Alvalade e tudo era faustoso mas o fim estava à vista. A crise também era grande e as grandes empresas de metalomecânica como a Mague a Sepsa e outras estavam muito mal. Cada vez mais escasseavam as obras e os ordenados começaram a chegar cada vez mais tarde.
Eu continuava no Controlo de qualidade e pouco havia para fazer então o meu chefe, o mesmo com quem eu tinha tido o equívoco quando fui pela primeira vez para o Controlo de Qualidade, convidou-me a ir tirar um curso de radiografia industrial na única entidade que na altura os fazia o Instituto de Soldadura e Qualidade em Lisboa, Benfica. Este convite foi propositado para me ajudar, pois ele sabia que não seria na Gremetal que eu iria utilizar os ensinamentos que iria obter, mas pelo menos para entrar numa próxima empresa seria uma mais valia.
Em boa hora o fez pois o curso correu muito bem não só no sentido da aprendizagem da parte teórica do que eu já conhecia a parte prática, mas também porque fiquei a conhecer os monitores e eles a mim e porque me correu bem o exame final o que me granjeou elogios.
Tanto que quando tive que procurar trabalho devido ao fim da Gremetal uma das portas era o Instituto. Nessa altura tinha mais duas hipóteses de emprego. Uma era para um armazém numa fábrica de óleos em Alhandra e outra uma empresa de computadores em Lisboa, em ambas iria ganhar mais do que no Instituto mas, não sei ainda hoje bem porquê escolhi o ISQ.
(CP-P-DR2)
O fim da Gremetal foi em conflito com os trabalhadores pois a partir de um certo dia deixaram de pagar e a empresa foi desmantelada. Todos pusemos a firma em tribunal, mas de pouco serviria. Passados muitos anos ainda recebi o equivalente a duzentos contos, embora a Gremetal me devesse mais de dois mil. É que além dos meses de ordenados, subsídios de férias e Natal, ainda tinha ganho um outro processo, que lhe tinha interposto na altura do acidente, já que eles não declaravam todo o dinheiro que eu ganhava em Marrocos, mas tão só o que ganhava cá. Assim o subsídio de invalidez devido à subtracção da minha rótula e à pior movimentação da minha articulação que me foi atribuído pela companhia de seguros era bem inferior ao que me era devido. Mas a única coisa que ficou, para dividir pelos trabalhadores, foi o tal prédio de Alvalade pois tudo o resto foi para pagar as dívidas ao Estado.
Foi em 4 de Abril de 1988, que comecei a trabalhar no laboratório de Controlo não Destrutivo do ISQ (LABEND).
Seria sem dúvida uma mudança radical. Pela primeira vez trabalhava numa empresa em que o profissionalismo era muito levado a sério, mas, confesso, a readaptação não me foi difícil e a introdução de novas tecnologias na minha vida profissional foi acontecendo gradualmente sem grandes crises, de tal forma que, com facilidade, fui rapidamente acumulando certificações nos ensaios que me eram propostos aprender. Tenho em mim que a adaptação a novas realidades tem muito a ver com capacidade receptiva à data da acção, e a entrada no ISQ acontecia no melhor momento aconteceu no melhor momento.
(CP RPC DR2 )
Só tive um problema real que foi a minha aceitação pelos meus novos colegas. Efectivamente não foi fácil, primeiro porque os meus novos colegas já lá estavam desde o princípio do ISQ e não viam com bons olhos mais uma pessoa para lhes “roubar” o trabalho depois porque o próprio trabalho, nessa altura não era muito. Claro que tive que recorrer a toda o meu sentido de negociação evitando confrontos, o que não foi fácil pois eu entrava cheio de sede de aprender e alguns já estavam acomodados. Foi bastante importante esta minha atitude, pois foi assim que consegui fazer com que esses meus colegas me passassem a respeitar, e ao meu trabalho. Hoje os meus colegas são os meus amigos.
(CP AM DR2)
Bem, primeiro que tudo, o que é isto de controlo não destrutivo? Conforme o nome indica: controlar sem destruir. Como se faz isso? Por exemplo olhando com sentido crítico e com cuidado para verificar se está tudo bem. Um dos controlos não destrutivos é o controlo visual (VT), quer seja utilizando só a nossa visão, quer sejamos auxiliados por meios mecânicos como lupas, espelhos ou endoscópios.
Muitas vezes a nossa vista não é suficiente pois certas descontinuidades, por serem pequenos ou estarem mascarados com a própria estrutura dos materiais, não são perceptíveis. Então temos outros meios, por exemplo o método dos Líquidos Penetrantes (PT), que consiste em banhar a peça a inspeccionar com um líquido, normalmente de cor vermelha e com umas propriedades especiais que fazem com que penetre em fendas por mais finas que sejam, depois elimina-se por lavagem o que fica na superfície da zona que queremos ver, e depois de seco aplica-se um pó, do tipo pó de talco, normalmente numa base húmida mas bastante volátil, que vai absorver o nosso líquido que penetrou nas ditas fendas revelando a existência das mesmas. Outro método é a Magnetoscopia (MT), este método que só é aplicável em materiais magnetizáveis, consiste em fazer passar uma corrente magnética na zona que queremos verificar e, ao mesmo tempo, polvilhar a zona com partículas minúsculas de ferro. Ao fazer-se passar a corrente magnética, esta, nas zonas em que haja descontinuidades, tende a concentrar as partículas que estamos a polvilhar denotando-se o desenho do referido defeito.
Mas também se podem ver descontinuidades no interior dos materiais sem os destruir, por exemplo, tirando-lhes uma radiografia (RT). Exactamente como quando o fazemos para meio auxiliar de diagnóstico do nosso médico. Ou ultrasons (UT), que é o mesmo que para a medicina a ecografia e que consiste em fazer passar através dos materiais um som a alta-frequência e analisar o seu eco que é reflectido.
O último método chama-se de corrente induzidas (CI) e é um pouco mais complexo de explicar mas que eu vou tentar: ao se fazer passar uma corrente eléctrica por uma bobina esta cria à sua volta um campo magnético, por sua vez esse campo magnético ao contacto com outros materiais faz com que neles se crie uma corrente eléctrica de muito baixa potência, as correntes induzidas Também conhecidas por correntes de Focault ou de “Eddy, pois foram descobertas por estes físicos. Então esse campo eléctrico pode ser medido, e, se houver alguma descontinuidade no material por interferir nesse capo eléctrico, assim conseguimos, através da sua análise, saber da presença de essa descontinuidade.
As descontinuidades a que me refiro podem ser dos mais variados tipos, e seria exaustiva a sua enumeração, mas em termos gerais podem agrupar-se em dois grandes tipos: as volúmicas, menos importantes, a não ser que sejam muito grandes e as planares que, mesmo pequenas, podem pôr em causa a sanidade dos materiais. As planares são normalmente fissuras (fendas) ou faltas de fusão nas soldaduras que por serem finas e com pontas aguçadas tendem a “rasgar” por aí.
Então, utilizando estes métodos, ou combinando vários, podemos ver se o que se está a fabricar está nas condições ideais para ser utilizado nas funções que lhe estão destinadas, mas também pudemos ver se passado um determinado tempo de utilização os materiais mantêm características que permitam continuar a utilizá-los. Estou a falar de quase tudo que todos os dias vemos e utilizamos, por exemplo os componentes dos automóveis em que andamos, as pontes, as bilhas do gás, a tubagem que agora nos chega a casa com o gás, os reservatórios onde ele é armazenado e outros combustíveis como as gasolinas e os gasóleos, também os reactores que fabricaram esses combustíveis e outros elementos das fábricas químicas e petrolíferas e da pasta de papel, enfim um sem numero de aparatos que são construídos e que precisamos de ter a garantia da sua fiabilidade.

É claro que não são só convenientes a utilização destes métodos de controlo, e por isso no ISQ existe a política dos três R’s: Reduzir, Reutilizar e Reciclar daí que eu e os meus colegas nos sintamos na obrigação de cumprir certos preceitos nomeadamente no que cabe à preservação do ambiente.
As preocupações da sociedade pela preservação do ambiente, malgrado o tratado de Quioto não ser respeitado por muita gente e o recente fracasso da cimeira de Copenhaga, tem vindo a mexer no consciente dos responsáveis pelas evoluções tecnológicas. Na realidade a utilização de alguns destes métodos tendem a diminuir ou a ser eliminados devido ao cuidado a ter com a sua utilização. É o caso da radiografia pois o manuseamento de fontes radioactivas (raios gama) ou mesmo de aparelhos eléctricos para produção de radiação (raios X) pois a radiação ionizante possui energia suficiente para ionizar átomos e moléculas podendo danificar as nossas células e afectar o material genético (ADN), causando doenças graves (por exemplo: cancro), a quem as manuseia. Também os banhos de revelação das películas tem que ser devidamente acondicionados e não serem lançados na rede pública como antigamente se fazia, além de que podem ser ainda reciclados para aproveitamento da prata neles depositada pelo processo. Há dois tipos mais utilizados de tratamento para resíduos de prata: o electrolítico e o de trocas iónicas. No primeiro, a prata sai pura do processo, pronta para ser comercializada e reutilizada, no segundo, sai associada ao ferro, e tem que ser enviada a uma fundição para ser separada deste. Os filmes velhos também são reciclados e é feito o aproveitamento da prata. Para obviar estes inconvenientes tem vindo, cada vez mais, a serem utilizados e estudados os ultrasons e a própria radiografia tem sido melhorada. Com o aparecimento da radiografia digital tem-se diminuído os tempos de exposição de radiação ionizante e os líquidos de processamento dos filmes já não são necessários pois não existe o processo de revelação química. Também os líquidos penetrantes eram embalados em sprays que agora já não contêm clorofluorcarbonetos (CFC). É claro que todas estas inovações tem sido levadas a cabo pela exigência de sobrevivência do planeta e para tal têm contribuído os meios de comunicação social, tanto na denuncia de casos gritantes de atentados ao meio ambiente como pela divulgação de boas práticas que têm vindo a ser implementadas. Relativamente a Portugal, num contexto de elevado deficit de cultura ambiental da população, os mass media desempenham um papel crucial, tanto pela forma abrangente como ocupam o espaço público, como pela forte dependência mediática da própria informação ambiental, manifestada pelo público em geral e por algumas empresas até agora menos preocupadas pela problemática.
(CLC AS DR4) (CLC AS DR2)

Como podem imaginar um trabalho assim é mais do que interessante e apaixonante e, de um dia para o outro, eu estava a estudar todos estes métodos, e a praticá-los, desta vez com bases sólidas, e com possibilidades de praticar o que ia aprendendo.
O ISQ é uma sociedade de interesse público e não tem fins lucrativos, então tudo o que se ganha é para se investir nas pessoas e em equipamentos modernos para que se possa desenvolver o melhor possível o controlo de qualidade e as outras áreas a que o ISQ está dedicado, que são inúmeras neste momento. Importante é também o trabalho de parcerias que tem sido desenvolvido com universidades e com outras firmas nacionais e estrangeiras para a investigação e desenvolvimento que no caso do nosso laboratório tem sido imensamente profícuo.
Temos neste momento dos equipamentos mais modernos da Europa e do Mundo, pois a Europa neste momento já se pode começar a comparar com a América neste aspecto tecnológico, o que nos permite nós próprios estarmos ao nível dos outros parceiros europeus.
Como é normal a primeira técnica que estudei foi a radiografia pois já tinha uma certa experiência e além disso já tinha feito aquele curso ainda no tempo da Gremetal. Mesmo assim em 1988 ainda frequentei outro curso de radiografia, outro de líquidos penetrantes e ainda outro de correntes induzidas.
Em 1989 fiz um curso de ultrasons e fiz exame nível II de líquidos penetrantes. Em 1991 fiz o curso de radiografia nível II cujo exame faria no ano seguinte. Em 1992 faria os cursos de magnetoscopia e de ultrasons nível II e os exames faria em 1993. (Ver documentos 4 e 6 em Evidencias Formais)
É claro que tudo isto seria acompanhado com muita prática pois trabalhos no exterior nunca faltavam.
Cabe aqui explicar que além de se aprender as variadas técnicas, tem também que se aprender a consultar e interpretar os códigos. (Os nossos códigos são sistemas convencionais feitos de normas e regulamentos, de cada país, que são mais ou menos adoptados por outros países, e que, se devem ao estudo, em tempo, do que tem acontecido após a revolução industrial, por incrível que pareça os mais avançados eram (são?) os americanos).
Consultar e interpretar não é muito complicado, partindo do princípio que se sabe inglês, pois, pelo menos na altura, só havia códigos na língua estrangeira, ou seja, em português népia…
Um homem não se atrapalha! Com os parcos conhecimentos que tinha do último ano escolar, mais um pouco de “conhecer inglês de canções” e “de filmes”, mais umas leituras de revistas e ainda de livros simples, tive de acelerar, e fui obrigado a aprender a língua inglesa, sem nunca ter oportunidade de a praticar, a não ser nas férias em que vou para países em que se fala inglês, depressa me deu para começar a ler códigos e compreender também aquilo que me era pedido.

— Eu acho que não foi nesta altura que tive em conta estar a entrar para um grupo restrito de pessoas que têm que “vender a alma” por algum objectivo. Já uns tempos antes tinha assinado um papel, ”um outro código”, em bom português, que me coerceu na entrada para esse grupo, é esse papel, chamado de Compromisso Deontológico que me compromete a adoptar normas deontológicas e valores profissionais, no fundo, a ser bonzinho e zelar pela sociedade. (Ver documento 14 em Evidencias Formais).
É claro que reconheço a importância de todos os pontos do Compromisso que assinei, até porque inconscientemente já perfilhava os valores nele enunciados. Acredito que serve de alerta para quem nunca tenha reflectido nos deveres de honra que a que cada um é devido quando se assina um contrato trabalhador/empregador, seja qual for o trabalho. —
(CP CFE DR2)

Infelizmente não há estatísticas para isso, mas deveremos ser um dos países, da era moderna, mais seguros do planeta, pois nunca nos aconteceu qualquer acidente “de monta” nos nossos parques industriais.
(Claro que não foi de monta a morte de um colega meu, este ano, num reservatório, que deveria estar descontaminado, na paragem da Petrogal, Sines).
Mas pela minha boca não se soube de nenhum acidente que tivesse acontecido na PETROGAL – SINES, nem da PETROGAL – LEÇA, nem da PETROGAL – CABO RUIVO, nem das OUTRAS “PETROGAIS” em que eu tenho estado neste país. Mas que os houve… houve.
E às vezes vontade não me falta. Se Deus quiser não vai cair aquela ponte…
Mas como achei graça, assinei o tal Compromisso, e na realidade não estou nada arrependido, pois até aqui tudo correu bem, tenho sido bem tratado e, algumas vezes reconhecido.
Então foi com esta força que recomecei a estudar, desta vez sem ter que pagar caríssimo, como no Sebastião da Gama ou sem que pensem que sou um cáften da sociedade, como desde o liceu de Vila Nova de Gaia até ao Camões, ainda por cima sendo pago.
Primeiro a parte técnica depois a teórica lá fui aprendendo, e cada vez tenho de aprender mais, pois com a evolução de novas técnicas não se pode parar. Imaginem que agora depois de velho, tenho que estar a estudar uma coisa a que chamam Phased Array e que não é mais do que os ultrasons mas com até 36 sondas ao mesmo tempo, e, se ainda fosse pouco, aprender um programa de computador, no qual se desenham as peças a controlar e as sondas que melhor se adaptam, para que se possa simular a realidade e mandar fazer sondas próprias para cada trabalho. Digo-vos que só fazer o desenho das peças, cada uma diferente da outra, dá luta.
Voltando aos códigos.
Desde antes da formação da União Europeia, e a consequente normalização dos interesses comuns, até hoje, que já temos quase todas as normas necessárias, vivia-se com as normas Americanas ou seja com um código chamado ASME e que são as regras todas para a construção metálica.
Doze grandes livros, do tipo bíblia, com os quais os engenheiros conseguem fazer quase tudo: desde grandes fábricas a grandes pontes. (Até já vi o ASME nº 11 que, julgo ser livro que não há em Portugal, pois sendo a norma para a construção de centrais nucleares, nunca foi usado cá na santa terrinha. Quando o ISQ não o tem…).
Começam agora a serem utilizadas com mais frequência, e até já as há em língua portuguesa, as normas EN (norma europeia) ou EN NP (norma europeia traduzida para português). Começa pois a ser mais fácil a interpretação da vontade do legislador e, por conseguinte, a ser mais fácil o nosso trabalho. Não que antes não houvesse qualquer regulamentação na europa, mas as que haviam eram dispersas e cada país adoptava as suas próprias interpretações: Os ingleses tinham as BS (Brithish Standard), os Franceses o Codap, os Alemães as DIN, etc, mesmo antes da UE já havia uma tentativa de aglutinação com a criação da ISO que é uma organização internacional para a padronização.
As normas têm, normalmente, dois aspectos importantes. O primeiro é o procedimento, ou seja, o modo como vamos aplicar a técnica ou o conjunto de técnicas, e o segundo a aceitação, ou seja, até que ponto se podem aceitar defeitos tendo em vista o fim para que destina o equipamento que estamos a analisar. Não é a mesma coisa fabricar-se um portão ou um reservatório de gás, por exemplo.
Normalmente a nossa intervenção mais importante é a manutenção das fábricas mas também se acompanha a construção inicial bem como as alterações que vão sendo feitas com o fim de melhorar a produção ou por exemplo melhorar o ambiente. Por exemplo ultimamente tem-se intervido junto das cimenteiras tendo em vista a co-incineração: queima de lixos perigosos. Para que tal possa acontecer têm que ser aumentada a temperatura dos fornos e colocados filtros. Embora envolta em controvérsia este método é reconhecidamente vantajoso pois o seu custo não é elevado e a taxa de destruição dos resíduos é muito boa. Este método é reconhecido pela União Europeia e foi proposto pelo Governo em principio do PSD e mais tarde do PS baseado numa parecer de uma Comissão Científica Independente, mas, depois, foi tratado como um facto político não se tendo chegado a consensos e tendo até alguns opositores no próprio PS. É evidente que se trata de um processo que não tem só vantagens também tem inconvenientes, sobretudo se os filtros não forem adequados ou deixarem de funcionar o que pode fazer com que se escapem gases mais voláteis. Eu francamente sou a favor e confio nas pessoas que estão a estudar esta problemática embora reconheça alguma razão aos ambientalistas. Segundo estes as fábricas deveriam ser construídas só para a incineração e localizadas longe das povoações e o problema é que as fábricas de cimento já estão inseridas em zonas populacionais. Por outro lado e tendo em conta a minha experiência dos últimos trinta anos a população tende, não sei porquê, a chegar-se para o pé das fábricas mesmo quando estas são feitas em locais ermos e mais cedo ou mais tarde as populações estariam a queixar-se das fábricas aí colocadas. Também acho que a comunicação social agarrou num assunto que, durante anos, não mereceu nenhum destaque, passasse a ocupar um lugar proeminente nas preocupações da opinião pública e na agenda política, e acabaram por ser responsabilizados pelo agudizar da polémica através das suas abordagens alarmistas e sensacionalistas. Deste modo, se é verdade que, por um lado, a cobertura mediática deste caso proporcionou a abertura do espaço de diálogo e debate crítico, não só entre cientistas, mas também dando voz às populações locais, por outro, a partir de determinada altura – fundamentalmente após a apresentação pública do relatório da CCI a 19/5/00 – os meios de comunicação social foram alvo de fortes críticas por parte dos responsáveis políticos e dos cientistas da CCI. De acordo com estes actores, a generalidade dos media adoptou uma postura que prejudicou o processo, tendo a exploração sensacionalista que fizeram da polémica limitado o esclarecimento do público na matéria.
Pelo contrário, consideraram que o seu papel se traduziu na perpetuação de equívocos, pois não só trataram o assunto de forma superficial, como não garantiram um trabalho neutral e alguns políticos empolaram o caso e não explicaram correctamente ao público os prós e os contras da co-incineração, ou melhor, só empolaram os contras.
“A necessidade de alimentar uma polémica rica no suscitar de emoções em torno da co-incineração levou à projecção de meia dúzia de opositores do processo, os únicos que se prestaram a esse papel oferecido de bandeja pela comunicação social. Quando estes, já estafados de repetir os mesmos argumentos, esmoreciam na peleja, lá parecia um canal de televisão de porta em porta, em Souselas procurando a resposta esperada: “Então não acha que…”, “Acho sim senhor, porque…” E assim se foi alimentando a espontaneidade em calda de telejornal.
(…) Se a intervenção fosse jornalística, por exemplo, lembrando alguns factos ou dados objectivos, os alarmistas panfletários rapidamente ficariam numa situação de desconfortável isolamento” (Cavalheiro, 2003b:200-201).
(CLC SF DR3) (STC SF DR3)
Nos últimos anos o ISQ tem aumentado muito, e com reconhecimento das entidades oficiais, e tem expandido as suas fronteiras e mostrado no estrangeiro que neste cantinho da Europa também existe vida. Assim, desde o princípio desta década, temos vindo a qualificar-nos segundo as normas europeias e começado a trabalhar com alguma assiduidade no estrangeiro o que me tem levado viajar bastante e conhecer mais alguma coisa além da “nossa aldeia”.
Em boa verdade os factores de globalização, ou seja, a integração a nível mundial dos mercados económicos: trabalho, produção de todos os tipos de bens e serviços e tecnologia obrigaram-nos a pensar à escala europeia e agora, de uma forma crescente, mundial. O Euro é uma resposta a este processo de globalização, implicando uma maior coordenação das políticas monetárias e económicas dos Estados-membros. O funcionamento do mercado único implicou a eliminação das variações das taxas de câmbio de forma a evitar perturbações nas trocas comerciais ou nos investimentos, por outro lado a moeda única permite também uma comparação transfronteiriça dos preços dos bens e serviços.
A estabilidade dos preços e a redução das taxas de juro reforça o crescimento, incentiva o investimento, tende a criar mais emprego e a melhorar o nível de vida.
(CP CM DR4 + pag 13)
Uma das coisas que mais tem mudado em Portugal talvez pela influência da Europa são as condições de trabalho nomeadamente no que se refere à forma de prevenir e evitar acidentes e doenças profissionais. Tem sido fundamental o estímulo à utilização de EPI’s (equipamentos de protecção individual), nomeadamente o capacete, o calçado com protecção, os óculos, as luvas , os auriculares, etc, já que os riscos que se correm nesta profissão são eminentes: quedas em altura, projecção de objectos sobre o corpo e para os olhos, ruído das fábricas, etc. Pela minha parte já nem sei trabalhar sem pelo menos o capacete e as luvas e muitas vezes já tenho recorrido aos postos médicos onde trabalho por causa de lixos que entram para os olhos. Desde 1913 que é reconhecida em Portugal a obrigatoriedade de as entidades empregadoras repararem as consequências dos acidentes de trabalho sofridos pelos seus empregados. Foi neste âmbito instituída a obrigatoriedade legal do seguro pelo risco de acidentes de trabalho, visando assegurar aos trabalhadores por conta de outrem e seus familiares condições adequadas de reparação dos danos decorrentes de acidentes de trabalho. É evidente que o ISQ tem um acordo com uma companhia de seguros e caso haja algum acidente seremos conduzidos para a clínica da própria companhia onde seremos de certeza muito bem tratados. Felizmente para mim só recorri aos serviços da companhia uma vez mas sem ser por algo de muito grave, no entanto acredito que não seja grande, neste momento, a diferença na assistência privada e pública. Talvez em tempo de assistência e na medicina especializada o sector privado seja mais vantajoso mas sempre que recorri ao sector público fui muito bem atendido.
Também as consultas que obrigatoriamente fazemos na medicina de trabalho do ISQ, pelo menos anualmente, previnem as doenças profissionais nomeadamente as originadas pelos agentes químicos e radioactivos com que trabalhamos. Outro assunto até agora menos falado, é o facto de haver também um desgaste psicológico que devido ao permanente risco se pode desenvolver. O ISQ também põe à disposição dos empregados um médico de medicina geral e tem desde há pouco tempo um psicólogo para que lhe nos dirijamos sempre que acharmos necessário. Outra coisa que o ISQ faz questão é que os seus funcionários envolvidos em obras e manutenção de fábricas, possuam um passaporte de segurança, o que não é mais do que a certificação de que nos foi ministrado um curso (de 16 horas) em que nos foram transmitidos todos os perigos inerentes à profissão, (ver Documento 13 em Documentos Formais) isto independente dos cursos de segurança que em cada fábrica somos obrigados a frequentar antes de entrar para trabalhar.
(STC Saúde DR2) (CLC Saúde DR2)

Outra coisa em que fui obrigado a progredir foi com os conhecimentos em informática. Na realidade eu já não era leigo nos computadores, quando deixei a fotografia fui ainda tirar um curso de perfuração de cartões na Univac (até costumo dizer por graça que o meu primeiro portátil era do tamanho de uma sala) pois na altura (1977/1978) isso poderia ser uma oportunidade de trabalho.
Aprendi que tudo se baseava no sistema binário ou base 2, é um sistema de numeração posicional em que todas as quantidades se representam com base em dois números, com o que se dispõe das cifras: zero e um (0 e 1).
Os computadores digitais trabalham internamente com dois níveis de tensão, pelo que o seu sistema de numeração natural é o sistema binário (aceso, apagado).
Também tive um dos primeiros Spectrum e até me lembro que não era só para jogos pois na altura utilizava uma folha de cálculo: o Omnicalc.
Mas foi no ISQ que comecei a sério com um velhinho desktop IBM que, comparando com os de hoje, trabalhava a carvão.

Antigamente os relatórios das nossas inspecções eram escritos à mão, ou, na melhor das hipóteses, dactilografados numa máquina de escrever e o surgimento dos computadores foi uma grande vantagem não só na apresentação mas também no tempo que se ganha pois pode-se aproveitar dados de uns para os outros.
O primeiro software que aprendi a utilizar foi um programa de tratamento de texto que se chamava Word Star, depois o DysplayWrite e só mais tarde o World, também a folha de cálculo era o Lótus quase tão bom como o Excel. Também aprendi um programa de desenho o Acad com o qual ilustrava com alguns esquemas os meus relatórios.
Também a evolução dos equipamentos com que trabalho me obrigaram a aprender a trabalhar com outros softwares dedicados a esses mesmos equipamentos.
Também nos monitores houve um avanço significativo: embora se tenha perdido em qualidade gráfica o tamanho dos TFT em relação aos antigos CRT é muito significativa. Os TFT também vieram reduzir o consumo de energia em relação aos de raios catódicos, e a nível de saúde também há bastantes vantagens nos novos ecrãs LCD pois não emite radiações e a sua luminosidade, sem cintilação, cansa muito menos a vista.
(CLC TIC DR2) (STC TIC DR2) (CP CM DR2)
Com a idade vem a maturidade e damos importância a coisas que em mais novos não ligamos profundamente, por exemplo o estudar, as amizades, as viagens e o conhecimento de coisas novas.
Em 1994 fui convidado pelo ISQ a fazer parte de uma equipa que iria controlar o controlo de uma grande ponte, na altura a maior sobre o mar da Europa, que foi fabricada em Sines e que seria montada na Dinamarca, a Storebaelt Esat Bridge. Como a construção era para durar uns quatro anos aluguei com um colega meu uma casa em Porto Côvo.
Nunca tinha vivido com companhia e julguei não me adaptar mas na realidade foi uma das coisas boas que me aconteceu na vida. Não só ganhei uma grande amizade como as nossas famílias passaram a ser grandes amigas.
No princípio tivemos uma casa pequena mas depois mudámos para uma casa maior, pois aos fins-de-semana a nossa família ia lá ter. Às vezes eu vinha a Lisboa e o Carlos ficava mais à vontade com a sua mulher e filhota lá em Porto Côvo, outras vezes era o contrário, e outras vezes ainda, sobretudo no Verão, ficávamos lá todos e era bem agradável, os nossos filhos são de idades semelhantes bem como nós e entendíamo-nos muito bem. Como já disse antes tenho grande jeito para a cozinha e nestes tempos tive bastante oportunidade para praticar pois era a minha parte dos trabalhos domésticos, pôr a mesa e lavar os pratos era com o Carlos.
A nível laboral também era bom pois que como no trabalho fazíamos equipa, muitas vezes vínhamos para casa discutir as ocorrências diárias, o que fez com que também a progressão na aprendizagem fosse mais rápida. Ele tinha mais alguma experiência do que eu, mas com as questões que se punham aprendíamos ambos, e com facilidade cumprimos os quase quatro anos que foram os da construção da ponte.
Um dia descobrimos que havia uma escola de ultra ligeiros no aeródromo de Sines e pensámos ir lá dar uma olhada. Não seria só uma olhada pois inscrevemo-nos logo na escola e começámos a aprender a voar. Infelizmente só tivemos, acho eu, duas lições, porque o instrutor, que era belga, por qualquer motivo teve que ir para o seu país, e a escola acabou. Frustrados com o sucedido descobrimos que também havia em Sines um instrutor de parapente e então não podendo caçar com cão fomos caçar com gato.
E foi mais uma amizade que arranjámos pois além de instrutor o Pombinho passou para a nossa lista de amizades. Passados uns tempos já voávamos autonomamente mas nunca deixámos de ir voar com ele e com novos alunos, sobretudo enquanto lá estivemos, mas também depois de a construção da ponte ter acabado. Cheguei a ir a Espanha e a França com ele.
Quanto ao parapente foi também uma das coisas muito boas que me aconteceram. Eu não sei se sei explicar a sensação que é voar, sobretudo em voo livre (sem auxílio de motor).
“Uma vez que tenhas experimentado voar, andarás pela terra com teus olhos postos no céu, pois lá estiveste e para lá desejas voltar."
Leonardo Da Vinci
Duvido que Da Vinci alguma vez tenha voado, mas sem duvida ele resume o sentimento de quem algum dia voou. Estar lá em cima transmite-nos uma calma, como que um relaxe, que só queremos lá voltar. Depois é também a contemplação e a solidão, o silêncio, o estar realmente sozinho, livre, o poder gritar à vontade a liberdade total.
Infelizmente há algum tempo deixei de praticar pois, não sendo violento, requer alguma preparação física e minha asma não ajuda. O meu colega continuou e hoje voa muito bem, embora tivesse sofrido um acidente que fez com que partisse um pé. Ossos do ofício, também porque quanto melhor se faz qualquer coisa mais à-vontade se está, e as vezes descuram-se alguns factores.
De qualquer maneira foram tempos magníficos. Ficámos a conhecer Portugal ainda melhor, pois íamos para todo o lado em que se pudesse voar, passei a gostar mais de praias, sobretudo as de arribas altas, pois é um dos sítios que se pode praticar com mais facilidade ao mesmo tempo foi bom familiarmente porque a praia é um dos locais preferidos para descansar, e conhecemos restaurantes incríveis, pois quando o tempo não permitia, para nosso consolo, vigávamo-nos nos tachos.

Já no tempo da Gremetal tinha trabalhado em Marrocos durante três anos como referi em capítulo próprio e agora a trabalhar pelo ISQ já conheci: Macau, em 1999, ainda no tempo da administração portuguesa, e adorei, aproveitando a viagem para conhecer também Hong-Kong que também gostei muito. Nesse mesmo ano fui duas vezes a França perto de Lyon, a uma terrinha chamada Mions.
No fim do ano de 2000 e alguns meses de 2001 estive num trabalho que me deu um gozo enorme fazer e sobretudo por ter sido onde foi: no CERN conselho europeu de pesquisa nuclear (para quem não sabe o CERN é o maior centro de estudos sobre física de partículas do mundo), uma coisa extraordinária, ainda por cima tive acesso a quase tudo e visitei ao pormenor o maior acelerador do mundo que tem um perímetro de vinte e sete quilómetros e está a noventa metros de profundidade, estive nas oito estações onde fazem colidir os electrões e vi os quatro detectores de partículas. Pena foi que não tivesse visto com ele em funcionamento, mas isso é só para alguns, poucos, cientistas.. Uma coisa que me espantou foi ver a diversidade de pessoas, cerca de 3000, que trabalhavam lá dentro desde Bielorussos a Peruanos da Índia à Noruega., sociedades tão diferentes mas todas com o mesmo objectivo: a descoberta da ciência.
Ainda assisti ao princípio da montagem do novo LHC, (Grande Colisor de Hadrões) que é o maior acelerador nuclear do mundo e que conseguirá fazer com que partículas de prótons e antiprótons choquem entre si a uma velocidade aproximada de 300.000 km por segundo
Após uma espera de quase trinta anos, o novo acelerador de partículas vai finalmente permitir a recriação dos primeiros momentos do Universo. A comunidade científica que trabalha naquele que é o maior laboratório do Mundo tem como objectivo mais importante recriar o "Big Bang" - teoria segundo a qual o Universo tem início numa explosão, emergindo de um estado extremamente denso e quente há cerca de 13,7 biliões de anos. Dessa forma, serão geradas temperaturas 100 mil vezes mais elevadas do que as do centro do Sol.
(STC AS DR4)
Outra curiosidade: foi aqui que se descobriu a Internet tal como hoje a conhecemos o WWW.
Foi em 1990 que dois senhores, Berners-Lee e Robert Cailliau, num computador que se chamava NeXTcube, que foi o primeiro servidor net, construíram o que seria a base da rede como a conhecemos hoje. O WorldWideWeb seria o primeiro navegador (O navegador é um programa de computador usado para visualizar recursos da WWW, como páginas web, imagens e vídeos). Em 1993 o CERN anunciava que a World Wide Web seria livre para todos, sem custo.
A Internet é um conglomerado de redes, em escala mundial de milhões de computadores interligados pelo TCP/IP que permite o acesso a informações e todo tipo de transferência de dados. Uma rede é uma ligação entre dois ou mais computadores, de modo a poderem compartilhar os seus recursos.
A Internet trouxe-nos imensas vantagens nomeadamente a rapidez de comunicações, o preço reduzido. Através dela podemos conhecer novas pessoas, criar novas amizades, comunicar com indivíduos a milhares de quilómetros de nós. Navegar na Internet proporciona-nos o acesso a uma enorme e diversificada quantidade de informação, torna-nos pessoas mais actualizadas, mais cultas. Também a intervenção em debates públicos e em fóruns de opinião, através da emissão da nossa opinião é uma mais valia da Internet. Mas como não há bela sem senão, a Internet tem também desvantagens: o seu mau uso e a sua utilização em excesso. A Internet tende a isolar as pessoas do mundo ao seu redor e a torná-las viciadas o que as leva muitas vezes a não dormir nem comer. Também muitas vezes, certos conteúdos não são os adequados para os utilizadores, sobretudo se crianças, pois as incita à violência e à xenofobia. Outra das desvantagens é o perigo da violação da privacidade.
(CLC TIC DR4) (STC TIC DR4)
Mas sobretudo é através do computador que as pessoas têm maior liberdade para se conectar em rede e buscar fóruns políticos para debater ideias. Dessa forma, todos têm voz e conseguem fazer sua própria democracia virtual. As pessoas buscam tribos que pensem da mesma forma, tenham as mesmas ideias e pensem juntas sobre a política do país.
Outro ponto positivo dessa tecnologia virtual é que ela aproxima as pessoas da política, principalmente os jovens, consciencializando-os de que o diálogo e a expressão de ideias é muito mais importante do que um simples voto sem discussão e debates.
(CP AA DR4)
Mas voltando às viagens de trabalho:
Em 2003 fui à Normandia, França, a uma cidade chamada Le Havre.
Em 2004 estive seis semanas em Luanda, Angola e fui a Cabo Verde duas semanas. Neste ano compreendi a verdadeira razão da imigração dos povos de língua oficial portuguesa. Na verdade parece-me ser mais do que uma as razões que levam os nossos ex-colónos a emigrar para Portugal e a que acho mais fundamental é a empatia: eles gostam de nós. É claro que por razões linguísticas também lhes é mais fácil: a comunicação é fundamental para qualquer emigrante, diria mais, é meio caminho andado. Também há outra razão e, para eles porventura a mais importante, que é a falta de condições do seu próprio país.
Efectivamente tanto em Cabo Verde como em Angola, fui recebido com uma amizade que me surpreendeu. Bem sei que já passaram trinta anos sobre a independência, mas mesmo pessoas com a minha idade ou mais velhos, portanto do tempo da colonização, me trataram como a um irmão. Outra coisa que contribuiu para a boa recepção de que fui alvo nestes países foi a faculdade de entrar um pouco mais na sua cultura e sobretudo na sua gastronomia que eu não conhecia de todo mas da qual ainda hoje tenho saudades.
(CLC UM DR4)
Em 2005 fiz uns trabalhos perto de Saragoça, Espanha e fui a um país encantador: Cuba, como foi só uma semana fui obrigado a lá voltar no ano seguinte, mas agora em férias.
No ano de 2006 fui à Argélia, à Líbia, mesmo ao deserto do Saara, e voltaria a Cabo Verde, também estive a trabalhar numa central térmica na Catalunha numa vila chamada Puentes de García Rodríguez que tem uma particularidade engraçada, tem a construção mais alta de Espanha: a sua chaminé mede 356 metros e consta no livro do Guiness.
Em 2007 e 2008 estive a trabalhar em Rabigh, na Arábia Saudita ia um mês e estava cá outro e seria o sítio mais desagradável onde estive.
2009 Levou-me a Milão e Bergamo em Itália, a Luanda, Angola e a Saint Avold, França.
Já que falei em viagens confesso que é uma das coisas que mais gosto de fazer, bem como a minha mulher. Felizmente temos conseguido, nas férias dar umas voltas o que nos apraz muito. Quando deixámos de ir passar férias para o Algarve, o que tinha acontecido nos primeiros anos de casados, passámos a fazer umas viagens sem destino previsto. Descobrimos as Pousadas da Juventude e então metíamo-nos no carro e só parávamos quando nos apetecesse, e houvesse pousadas para ficar, se a terra nos interessava ficávamos, se não, no dia seguinte seguíamos para outra. Ponto assente era dividir as economias em duas partes: uma para nos afastarmos de casa outra para regressar. (Engraçado era que da metade para regressar sobrava sempre um pouco, que era bem utilizado claro pois temos outro desporto favorito que é a comezaina).
Começámos por conhecer Portugal, o continente de lés a lés, começámos por ir para o norte e depois o resto do país, quando achámos que Portugal já estava decidimos fazer uma viagem maior e mais duradoira e fomos Europa fora Espanha, Andorra, França, Suiça, Veneza e norte de Itália e o regresso sempre pela costa mediterrânica até chegar a Portugal, sempre nas pousadas da juventude, claro.
Não posso deixar de referenciar a minha passagem deste ano pela Suiça. Na verdade desde novo aprendi a respeitar os outros e o espaço dos outros mas quando cheguei à Suiça tive que repensar as minhas responsabilidades perante a comunidade. Sobretudo nas pequenas localidades, não vi um papel no chão, todos os condutores respeitavam os limites de velocidade, mesmo antes dos peões tentarem passar pelas zebras já os automobilistas davam prioridade, enfim um exemplo de civilidade que me fez pensar. Efectivamente tal actuação, que na altura não era praticada cá em Portugal fez-me reflectir sobre a importância da educação no individuo, educação essa que não é obrigação ser ministrada nas nossas escolas, mas sobretudo nos nossos lares, no dia a dia de convívio com os mais novos. Felizmente temos conseguido fazer passar os valores de solidariedade e a responsabilidade e preocupações com a comunidade aos nossos filhos e netos e nota-se já que as novas gerações são muito diferentes da minha.
(CP DD DR1)
Uns tempos mais tarde, num dia de sorte, ao abrirmos um chocolate TWIX saiu-nos uma viagem para duas pessoas a Londres, transformámos a ida para três e lá fomos nós. O prémio também contemplava um concerto dos U2 no Wembley ou o espectáculo CATS, ainda com a Elaine Page, e optámos por este último. Adorámos Londres mas fartámo-nos de andar a pé O Filipe teria uns dez ou doze anos e também gostou bastante. Um ou dois anos depois fomos só para Paris. Se tínhamos andado muito em Londres não sei o que diga para Paris, só não subimos a pé a Torre Eifel, mas descemo-la. Claro está que também nos divertimos muito no parque Disney, no regresso viemos por uma cidade chamada Poitiers (cidade gémea de Coimbra) e visitámos um outro parque temático o Futuroscope no qual ainda nos divertimos mais. Entretanto houve uns anos que, porque eu estava a trabalhar em Sines e tinha casa em Porto Covo, as nossas férias foram cá dentro. Iríamos novamente a Marrocos em 1996 para visitar algumas cidades carismáticas, como Fez, que ainda não conhecia, o fomos também até às portas do deserto a uma terra em que os portugueses eram muito bem vindos graças ao José Megre, piloto de ralis, que ia mais as suas equipas treinar para aí: Ouarzazate. E, é claro, passar por onde tinha estado anos antes para ver as evoluções e eram muitas: Sidi Bouzid, a vila em que eu tinha vivido, perto de El Jadida estava esplêndida, a sua praia de areia branca, (a única, que eu conheça, em Marrocos) estava divinal e a própria vila estava mais bem arranjada do que no tempo em que lá vivi.
Depois houve outro interregno de viagens pois comecei a praticar parapente e todos os fins-de-semana e tempos de férias era para voar. Passávamos as férias na Serra da Estrela ou do Larouco. Entretanto também comprei um todo terreno e começámos a conhecer Portugal fora de estrada o que também é muito interessante. (Ver capítulo sobre Parapente)
Só em 2004 voltámos à estrada: fizemos mais uma viagem pela Europa. Espanha, França, Luxemburgo, Bélgica, Holanda e volta. Adorámos Amesterdão, acho que é uma das mais interessantes cidades que conheço: respira-se liberdade.
Em 2006 fomos a Cuba: Varadero e Havana, mas soube-nos a pouco e ficou prometido, a nós mesmos, voltarmos para conhecer toda a ilha, para recordar sempre, fica aquele povo. Mas não só. Cuba lembra Che Guevara e solidariedade. Não se pode negar ou omitir ter sido ele uma pessoa investida do mais profundo sentimento de solidariedade humana Morreu abraçado à causa de libertação de povos que secularmente vivem debaixo do jugo do imperialismo.
Com sua morte, deixou todo um legado de luta pelos mais fracos, oprimidos e excluídos do planeta. É bom lembrar que, ao lado de Fidel Castro, liderou uma revolução redentora em Cuba, livrando aquele povo das garras do ditador Fulgêncio Batista.
(CP IA DR4)
No ano seguinte fomos ao Brasil a Arraial da Ajuda, Porto Seguro, onde chagaram os primeiros portugueses. Também gostámos bastante, sendo que estes destinos de praia agradam mais à minha mulher pois eu não sou muito de ficar com a barriga ao Sol, também não sou de interiores, gosto ver alguns monumentos, alguns museus mais conhecidos, mas sobretudo o que eu mais gosto é de apreciar a natureza. Confesso que ia um pouco constrangido pelas noticias que se ouvem de vez em quando sobre roubos e maltratos a turistas por aquele lados, mas lá chegado senti-me completamente à vontade e não vi nada parecido com esses estereótipos criados pelos mass media que só servem para vender jornais e revistas.
(CP RPC DR4)
Em 2008 fomos colmatar uma falta grave que era visitar as nossas ilhas, e fomos aos Açores, visitámos a Terceira, o Faial, o Pico e S. Miguel. Eu já tinha estado nos Açores, mas praticamente só tinha estado no aeroporto das Lajes, onde tinha ido trabalhar e na Praia da Vitória onde dormia. Ficámos também muito impressionados com a beleza das ilhas, infelizmente tivemos um pequeno incidente no penúltimo dia em que lá estivemos pois quando andávamos a tentar ver as baleias, um dos saltos mais violentos do barco provocou que a Lurdes batesse com demasiada força no assento e ficou bastante dorida das costas. Tivemos que passar o resto do dia no hospital, mas, felizmente, não passou de dorido. Perdemos a visita a parte da ilha de S. Miguel.
Em 2009 no Carnaval fomos passar quatro dias à Madeira, que eu já conhecia bem, pois tive lá mais de um mês em trabalho, o que deu jeito, pois como conhecia tudo o que era interessante de visitar, consegui mostrar toda a ilha nesses dias e ainda vimos o desfile de terça-feira, embora não sejamos muito amigos do Carnaval. Este ano ainda, fomos “treinar as pernas” para Roma que achámos interessante. Gostámos de tudo mas eu gostei sobretudo do museu do Vaticano com realce para a Capela Sistina. Já agora para acabar e como sobrou uma notita fomos até ao Gerês e descansámos merecidamente quatro diazitos no Aquafalls.
Mas não se pense que é só lazer e coisas boas, a vida não são só facilidades, o trabalho no ISQ é, muitas vezes, a maior parte das vezes, duro e arriscado, a remuneração não é principesca e, sobretudo, não há concorrência no mercado de trabalho, pelo menos aqui em Portugal, o que faz com que sejamos quase obrigados a ficar “ad eternum” naquela casa. E estudar sempre toda a vida, embora isso não me desagrade.
Em jeito de conclusão tenho tido, no âmbito profissional, alguns trabalhos que me têm dado uma imensa satisfação por ter sido envolvido na sua participação, caso da construção das fábricas em Marrocos, da ponte para a Dinamarca em Sines, da minha intervenção no CERN que já referi, mas também, por exemplo, no desmantelamento da Petrogal em Cabo Ruivo e subsequente acompanhamento de todo o complexo da construção das infra-estruturas para a Expo 98 um projecto ambicioso de requalificação urbana e ambiental da área seleccionada para o evento. Hoje, o Parque das Nações tornou-se casa para alguns e local de passeio de fim-de-semana para outros. Mas a Exposição em si foi efectivamente o maior evento jamais visto em Portugal. Um exemplo de como nos devemos relacionar com as outras culturas de forma a combater a exclusão, cada um dos 145 pavilhões presentes em representação de países ou organizações, bem como os temáticos, foram uma escola de cultura, desenvolvimento e utopia para o futuro. Cada país procurou falar do seu grau de desenvolvimento e da sua cultura, traduzida sobretudo no artesanato, e das possibilidades temáticas.
(CP AM DR4)



Estes últimos anos

Há sete anos atrás fui avô e isso foi mais uma das coisas boas que me aconteceram.
Não seria necessário qualquer teste de paternidade para saber que era meu neto pois era a cara chapada do meu filho, eu diria, o prolongamento do seu ADN tal a semelhança. (O ADN é o suporte universal da informação genética que define as características de cada organismo vivo. O teste de ADN para além de utilização forense para determinação de paternidades por exemplo, serve também na medicina para aprendermos mais sobre os fundamentos genéticos de afecções adultas relativamente comuns — desde diabetes a cardiopatias).
(STC SF DR1 + pag. 17)
Neste momento, devido à idade, os meus projectos já não podem ser a longo prazo, embora a esperança de vida tenha vindo a aumentar.
Os principais valores da sociedade actual e também os mais prioritários, são a produção, a rentabilidade, o consumismo e o lucro, face às quais e de acordo com as actuais normas sociais, as pessoas com 65 ou mais anos não têm possibilidades de competir devido a serem obrigados a reformarem-se aos 65 anos. A reforma é então um sinal da atitude egoísta da actual sociedade face aos idosos, que são assim afastados do mercado de trabalho, o que faz com que muitos idosos se sintam inúteis; da mesma forma a reforma leva também a uma diminuição do poder económico o que tem como consequência a dependência do idoso relativamente aos seus familiares, que na maior parte dos casos são os seus filhos. O facto de ambos os elementos do casal trabalharem fora de casa, na maior parte dos casos, faz com que não haja muita disponibilidade para darem apoio aos idosos da família, principalmente a nível emocional.
Quando penso na minha velhice, só me ocorre que gostaria de manter as minhas capacidades todas para, finalmente, escrever todos os livros que fui amadurecendo e ler todos aqueles para os quais não tive tempo antes. Espero que o meu filho me respeite, na minha dignidade e autonomia, e que os meus netos queiram estar comigo não por frete, mas para fazermos coisas juntos. Espero ter saúde para ir ao ginásio e mover-me bem, e poder trabalhar até morrer (esperando NÃO ter que trabalhar até morrer, note-se). Não é fácil neste momento contar com o apoio por parte das instituições pois não me parecem estar preparadas para isso embora as promessas dos nossos governantes sejam de um optimismo que me agrada, e de se notar realmente uma evolução nesse sentido, com a criação de espaços de qualidade, para acolher aqueles que ainda querem desfrutar dos «prazeres da vida» — de um passeio no campo, de um jogo de cartas, de uma conversa — algo que é muito mais agradável quando partilhado, e ainda que se consiga ter uma boa alimentação e um bom acesso à informação e aos cuidados básicos de saúde.
(CP P DR1) (CLC Saúde DR4)
Reconheço que, mesmo assim, tenho aprender mais do que o que sei neste momento, então, este reconhecimento de competências será o principio de mais uma etapa, que me levará ainda não sei onde, mas que com certeza me vai permitir aprender muito mais e preparar-me para me sentar debaixo da minha figueira, ao fundo do quintal, alcançar a salvação e entrar no meu nirvana.
Espero que ainda se legisle a tempo de eu poder decidir sobre a minha vida no caso me ver envolvido em problemas irreversíveis de saúde. Quero com isto dizer que como sou a favor da eutanásia, gostaria de poder decidir, já que se trata de uma escolha consciente e informada que reflecte que quem morre não perde o poder de ser digno até ao fim. A morte com dignidade entende-se como, morrer com conforto físico, emocional, psicológico e espiritual, fornecido por profissionais de saúde competentes em conjunção com familiares e se possível viver os seus últimos dias em casa.
(CP AA DR1)